Amber - WORD UP! (5)

25 de novembro de 1933
17h40

Os trabalhos na Sicherheitsdienst estavam indo relativamente bem. Mas havia alguns dias já que Schultz parecia distante, e Briegel estava preocupado com seu amigo. Casos que Schultz resolveria com pouco esforço estavam já tomando muito tempo. Schultz ficava na sua mesa, triste, olhando pro nada, e Briegel estava preocupado com seu amigo.

“Ei, Briegel, o que tá acontecendo com o Schultz?”, perguntou Heydrich, líder da SD.

“Eu não sei. Tem alguns dias que ele tá assim desse jeito. Nem tá indo mais pra farra, mas achei que fosse apenas algum dia ruim, ou algo assim”, disse Briegel, “O senhor sabe de algo?”.

“Dei um caso pra ele resolver, mas ele parece estar empacado. Você é o líder aqui nesta seção, será que poderia ir lá ver o que está acontecendo com ele e tentar ajudá-lo?”, disse Heydrich.

“Sim, pode deixar”, disse Briegel.

Briegel foi buscar dois cafés e foi até a mesa de seu amigo.

“Ei, Schultz, e aí? Tudo bem aí parceiro?”, disse Briegel, “Tem uns dias que você tá assim, nem fala direito. Queria saber se tá tudo bem! Estou preocupado contigo”.

Schultz olhou pra Briegel. Estava com cara de quem não dormia há semanas.

“Ah, coronel, tá tudo dando errado cara”, disse Schultz, pegando café que Briegel trouxe e dando uma golada, “Esses dias eu fui pra uma missão e, acabei vendo uma coisa que não queria ter visto na verdade”.

“Hã? O quê?”, perguntou Briegel.

“Era uma família judia. Sabe, o governo tá cada vez mais massacrando essas pessoas, e não consigo ficar quieto sem poder fazer nada! Eu fui mandado pra espioná-los, já que eles eram de uma família rica, cheias de posses, mas não consegui fazer isso. Não me fazia sentido, mas quando eu vi era tarde demais. Na verdade aquilo era um teste, e me pegaram”, disse Schultz.

“Te pegaram? Como assim? Descobriram que você não conseguiu cumprir a missão?”, perguntou Briegel.

“Sim. A Gestapo apareceu”, disse Schultz. Briegel se assustou.

“O quê?!”, disse Briegel.

“Sim. Mas nada aconteceu comigo. Na verdade, nem se eu quisesse poderia conseguir fazer alguma coisa. Entre todas as pessoas do mundo, justo ‘ela’ estava lá. E mandaram a família inteira direto pra Dachau!”, disse Schultz.

Dachau foi o primeiro campo de concentração criado por nazistas, ainda no primeiro ano que Hitler chegou ao poder, em março de 1933. Começou como uma prisão política, para todos que eram contra o regime nazista, mas logo se tornou um dos locais simbólicos de onde a barbárie do Holocausto acontecia. Judeus já eram enviados naquele ano para lá para trabalhos forçados, sem comida, sujeitos a doenças e, obviamente, morrendo um depois do outro.

“Mas que merda! Pra Dachau?”, disse Briegel, “Temos que ir pra lá, Schultz!”

“Você tá louco, coronel?”, disse Schultz, “Aquilo é um matadouro humano! Achar essa família judia que não consegui proteger vai ser como achar uma agulha no palheiro. Isso é, se ainda estiverem vivos”.

Nessa hora Heydrich, comandante da SD, se aproximou do local. Schultz e Briegel ao verem que ele estava lá, ficaram quietos para que ele não ouvisse o conteúdo da conversa.

“Schultz, Briegel, quero lhes apresentar Rudolf Diehls, o comandante da Gestapo”, disse Heydrich. Diehls estendeu a mão pra Schultz e Briegel, mas eles não o cumprimentaram, encarando-o, “Enfim, os deixe pra lá, senhor Diehls. E essa aqui é uma das chefes da Gestapo, o nome dela é…”

Schultz ao ver a mulher ficou assustado. Ela era uma mulher muito bonita, loira, alta, com aparência madura, roupas militares e uma saia bem justa, além de um batom marrom avermelhado, que chamava atenção contrastando com sua pele totalmente branca.

“Ingrid…? Ingrid Müller?!”, disse Schultz, com os olhos arregalados e pálido de medo.

“Olá, Schultz”, disse Ingrid, sorrindo, “E você deve ser Roland Briegel. Ou será que prefere ser chamado pelo seu apelido, coronel?”, ela estendeu a mão pra Briegel. Mas Briegel não apertou sua mão.

“Pra você é apenas Briegel, senhorita”, disse Briegel.

“Vamos, venham por aqui. Vou apresentá-los o resto da equipe. Deixem esses dois aí”, disse Heydrich, chamando Diehls e Müller.

“Mulherzinha arrogante essa, viu”, disse Briegel. Ao olhar Schultz lembrou da cara que seu amigo havia feito ao ver Ingrid Müller, “E essa cara, Schultz? Primeira vez que eu vejo você vendo uma mulher e não dando em cima dela”.

Schultz enfim relaxou e sentou de maneira mais confortável.

“Merda, tinha que ser ela. Foi ela quem me viu tentando salvar aquela família judia de serem enviados a Dachau”, disse Schultz.

“Ela o quê?!”, disse Briegel, assustado, “E porque ela não te fez nada? E como você sabia o nome dela?”.

“É óbvio, coronel. Eu a conheço. E ela fez isso pra me humilhar”, disse Schultz. Briegel estava assustado, e chamou Schultz para descer e dar uma volta com ele na cidade pra conversar.

Já na rua, enquanto os dois caminhavam comendo uma bratwurst (uma linguiça alemã mista suína e bovina) grelhada, Briegel puxou conversa:

“Mas quem diabos é essa Ingrid Müller?”, perguntou Briegel.

“Longa estória, coronel. Mas vou resumir. Sabe, eu nunca fui assim com as mulheres”, disse Schultz.

“Assim como?”, disse Briegel, mas imaginando o que Schultz queria dizer, “Como alguém que transa e promete ligar e não liga?”, brincou.

“É, basicamente”, disse Schultz, dando uma golada de cerveja, “Essa Ingrid foi a minha primeira paixão. A primeira mulher que eu amei”.

Briegel tomou um susto.

“Paixão? Nossa, nunca achei que você fosse capaz disso!”, disse Briegel.

“Há! Olha quem está falando. O cara que não se envolve com ninguém com desculpinha de ‘trabalhar demais’!”, disse Schultz, e os dois caíram na gargalhada, “Mas falando sério, a Ingrid e eu éramos feito um pro outro. E eu a amei muito, e ficamos um bom tempo junto. Mas um dia ela simplesmente me deixou e caiu fora. E isso arruinou meu mundo”.

“Partiu seu coração? Então é por isso que você escolheu ser assim com as mulheres?”, perguntou Briegel.

“Sim. É verdade que eu minto, e faço muitas coisas com as mulheres apenas pra uma noite de sexo. Mas não conseguiria nunca ir além disso. Todas as memórias com a Ingrid me veem na cabeça, e simplesmente não consigo”, disse Schultz, “Ela infelizmente me tornou o grande canalha que eu sou hoje. E encontrar ela me machuca muito. Me abala profundamente, todas as memórias aparecem, enfim, me machuca muito. Poderia o próprio Hitler ter me flagrado tentando salvar aquela família judia, mas quando veio a Ingrid, simplesmente me machucou mais do que qualquer coisa. Fiquei paralizado”.

“Entendi. Então é por isso que ela não fez nada contigo? Porque te conhecia?”, perguntou Briegel. Os dois estavam passando perto do local onde haviam comprado a bratwurst, e Schultz observava alguém na frente da loja comprando uma.

“Isso. Eu quando a vi, simplesmente virei pedra. Justo na Gestapo ela foi entrar?”, disse Schultz, enquanto os dois iam se aproximando cada vez mais do bar que eles haviam comprado a bratwurst, “Ela pegou a família judia e as prendeu sem pestanejar, e depois ficou me olhando com um olhar de superioridade, como se quisesse me humilhar mesmo. Ela poderia ter me mandado pra Dachau também, mas não o fez, coronel. Simplesmente depois me dar uma risadinha ao me ver, passou a me ignorar, nem falou uma palavra comigo. E, peraí…”, disse Schultz ao ver alguém familiar comprando uma bratwurst, “...Puta merda!”.

“Schultz, Briegel! Essa bratwurst é sensacional, não é mesmo?”, disse Ingrid, que estava por coincidência ali naquele momento.

“Sim, é boa mesmo”, disse Briegel, mostrando que a sua já estava na metade. Schultz estava caminhando em frente, calado e olhando pra baixo, tentando passar por Ingrid sem que ela o visse, “E você, Schultz? Vem cá falar comigo, menino. Não vou te morder. Não entendo porque você anda tão frio comigo!”.

“Você? Ora, sua… Da última vez que nos encontramos eu disse pra você NUNCA mais me dirigir uma palavra!”, disse Schultz, tremendo.

“Você ainda não superou o que houve entre nós, não é mesmo?”, disse Ingrid para Schultz. Depois ela se voltou a Briegel, “Sabe, coronel, esse aí faz essa pose toda, mas no fundo é a pessoa mais sentimentalista que eu conheci na vida. Schultz não consegue viver quando seu passado volta. Por isso ele sempre esconde, tentando mostrar algo que nunca foi. Schultz é essencialmente alguém fraco”.

Schultz estava furioso e tremendo, com os olhos cheios de lágrimas ouvindo as palavras de Ingrid. Briegel se aproximou do amigo, ficando no meio dos dois.

“Eu não sei qual é o seu problema, mas se você vai ficar aqui humilhando meu amigo, pode ter certeza que não vou ficar parado vendo isso. Nessa dança, três podem dançar também, donzela”, disse Briegel.

“Eu realmente não entendo. Não fiz nada com ninguém”, disse Ingrid, com um tom completamente sarcástico, erguendo a sobrancelha, como se estivesse em pleno controle da situação, “Então se é uma dança, nos dê música, nós podemos usar!”, nessa hora Ingrid ergueu os braços como se dançasse valsa sozinha no ar, zombando “Precisamos dançar! Não temos tempo para ‘romance psicológico’”, nessa hora ela encarou Schultz.

Aquilo foi a gota d’água pra Schultz.

“Sem romance?”, disse Schultz, passando na frente de Briegel, “Sem romance! Sem romance pra mim, mamãe!”, nessa hora Schultz parecia pegar todas as forças de dentro de si, encarando Müller de maneira ameaçadora, “Vem cá, querida, me diga qual é a sua?”.

“Qual é a minha? Schultz, querido, tome mais cuidado com o que se mete. Você não vai ter a mesma sorte na próxima vez. E você sabe do que estou falando. Porque ao contrário de você…”, disse Ingrid, pausando e passando por Briegel e se aproximando de Schultz, enquanto ia embora, dizendo baixinho no ouvido de Schultz, “...o arrependimento será todo seu!”.

Ingrid Müller, com sua bratwurst na mão, foi embora. Schultz e Briegel ficaram encarando ela por alguns segundos.

“E aí, melhor?”, perguntou Briegel ao seu amigo.

“Mais ou menos”, disse Schultz, cabisbaixo, “Essa mulher causou a maior dor na minha vida. Uma dor tão grande que eu ainda não consegui superar. O medo continua, mas pelo menos depois dessa conversa, uma coisa tenho certeza”.

“E o que é?”, perguntou Briegel.

“Que acabou o tempo de fugir. Só vou conseguir superar isso se eu encarar isso de frente”, disse Schultz.

Schultz seria obrigado a encarar Ingrid Müller num futuro próximo, disso ele não tinha dúvidas. Mais doloroso do que encarar Ingrid, era encarar o seu passado, que ele tanto fazia questão de não reviver. Cinco dias depois a Gestapo, que só existia no estado da Prússia, ganha autoridade por toda a Alemanha, aumentando ainda mais o seu poder de polícia secreta dos nazistas.

E cada vez mais a Alemanha mergulhava em dias sombrios...

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