Amber - WORD UP! (6)

25 de novembro de 1933
21h33

“Ei, amigão, toma aqui uma cerveja”, disse Briegel, trazendo duas canecas cheias até o topo no bar, “Tá melhor?”.

Schultz sempre era uma pessoa com um ótimo astral. Sempre de bem com a vida, sorrindo. Mas aquele encontro horas atrás com Ingrid Müller o havia abalado profundamente. Ele ainda continuava com cara abatida.

“Escuta, Schultz, pensei que éramos amigos. Amigos servem pros momentos difíceis também, pra apoiar. Porque você sempre escondeu essa Ingrid Müller? Digo, você sempre teve tanta…”, Briegel nessa hora deu uma pausa, tentando achar as palavras, “...Digamos, desenvoltura, com as mulheres. Desabafa, joga tudo pra fora. Amigos servem pra isso”.

Schultz enfim ao ouvir Briegel pegou a caneca e tomou um longo gole.

“Ela é como um fantasma pra mim. Eu estava tão apaixonado por ela, mas o problema foi exatamente esse. Ela me deixou, e eu fiquei muito mal, meu coração foi destruído. E acho que desde então nunca consegui desenvolver como o que sentia por ela por outra pessoa”, disse Schultz.

“Não conseguia ou não quis? Parece que você não consegue se envolver com mulheres de uma maneira mais profunda do que apenas uma noite. Isso na verdade explica muita coisa”, disse Briegel.

Nessa hora Schultz se debruçou sobre seus braços em cima da mesa, como se estivesse triste, derrotado.

“Eu sou um idiota mesmo. Fico tirando sarro que você só sabe pensar em trabalho e não pega ninguém, mas olha só pra mim! Eu tenho medo de amar alguém pois uma mulher no meu passado quebrou meu coração! E até hoje não consegui superar isso, e tranquei no fundo da minha alma a capacidade de amar as mulheres, e desde então tenho agido como o pior dos canalhas do mundo. Eu sou um bosta mesmo!”, disse Schultz.

“É. Somos nós dois uns bostas. Mas acho que cada um aqui pode dar uma ajuda pro outro. Acho que você nunca vai conseguir construir um castelo novo enquanto não demolir o antigo”, disse Briegel.

“Como assim?”, disse Schultz, erguendo o rosto, que estava encolhido entre os braços em cima da mesa.

“Você e a Ingrid construíram um castelo juntos, que foi um relacionamento bom que durou por um tempo. Mas ela caiu fora e deixou você com esse castelo, que ainda importa pra você. Você deixou o castelo lá, ruindo, caindo aos pedaços, e ao invés de construir um novo, foi construindo pequenas cabanas, que jamais se sustentariam por mais de uma noite”, disse Briegel.

Por mais que a analogia fosse ilustrativa, Schultz compreendia perfeitamente que o castelo significava o amor que Schultz havia nutrido por Ingrid no passado. E as cabanas, que não se sustentavam por si por muito tempo, eram o símbolo das pequenas relações que ele colocava pra si mesmo com o intuito de fugir. Schultz olhava pra caneca de cerveja refletindo. Aquele silêncio falava muito, como se no fundo ele estivesse concordando. Mas ainda não sabia por onde começar a agir.

“Você ainda a ama?”, perguntou Briegel.

“Sim”, disse Schultz, triste, “Eu gostaria de não amar mais, mas sei que ela vai continuar aparecendo onde estou, esfregando na minha cara a felicidade dela, e eu vou ficar tendo que conviver com isso tudo, sem poder viver ao lado dela, que é o que eu sempre quis”. Nessa hora os olhos de Schultz estavam lacrimejando.

Briegel via seu amigo profundamente abalado ainda, mas Schultz mal teve tempo de terminar sua fala e viu a tal Ingrid entrando no bar, na frente, de mãos dadas com um homem. Ele tinha jeitão de galã, um alemão loiro, forte e com barba por fazer, e sem dúvida pelo enlace com as mãos indicava que não era apenas um amiguinho. Briegel arregalou os olhos de susto, e Schultz virou seu rosto pra ver pra onde seu amigo estava olhando.

“Merda…”, disse Briegel, baixinho.

Ao ver Ingrid com outro homem na sua frente o mundo de Schultz simplesmente caiu. Como ela pode fazer isso? Como se não bastasse fazer com que Schultz tivesse que viver uma vida sem chance de poder ficar com ela, porque ela era tão cruel a ponto de ir no mesmo lugar que Schultz estava de mãos dadas com o namorado? O coração de Schultz disparou, seus olhos que já estavam lacrimejando transbordavam lágrimas, tremia e estava profundamente pálido.

“Parece que tem mulher que tem talento pra dar uma aula de canalhice pra homens”, disse Briegel, revoltado, “Tanta coisa ruim pra copiar, elas escolhem copiar a pior das características. Mas que merda, Schultz…”, nessa hora Briegel balançou a cabeça negativamente enquanto via a cena dos dois no balcão do bar sentados um virado pro outro, “Eu realmente não sei o que te dizer, meu amigo…”.

“Não tem nada a dizer, coronel”, disse Schultz, com um sorriso sem graça, como se estivesse tentando consolar a si mesmo, “Escuta, eu prefiro ir embora. Desculpa não poder terminar a cerveja contigo”, Schultz então se ergueu pra sair.

O local que Ingrid havia escolhido pra sentar parecia até que era de propósito. Ela estava bem de frente pra eles, uma quatro ou cinco mesas de distância, mas havia um corredor perfeito até eles. Se era de propósito ou não, nunca saberemos. Mas Schultz sabia que devia fazer algo sobre isso.

“Tá, tudo bem, eu pago. Acho que você precisa mesmo de um tempo sozinho, meu amigo. Mas escuta, amizade não é apenas ter uma companhia pra sair, comer umas putas, frequentar a sua casa, ou ser amigo da minha filha”, disse Briegel, ainda sentado, puxando o braço de Schultz pra chamar-lhe a atenção, “Amizade também é pros momentos difíceis. Especialmente pra esses momentos! E é verdade que somos dois solterões, mas sendo bem sincero contigo, eu sempre tive uma pequena inveja de você”.

Nessa hora Schultz olhou com surpresa pra Briegel.

“Sim, estranho né? Nós somos bem diferentes. Mas eu sempre quis ser um cara que nem você, que sai com muitas garotas, sempre tem alguém na sua cama pra passar a noite, você leva uma vida leve que eu sempre quis. Talvez eu até conseguiria, mas parece que eu sempre me saboto, por puro e simples medo de me relacionar também com alguma mulher”, disse Briegel.

“Você? Me invejando?”, disse Schultz, surpreso, “Mas coronel, eu sempre quis ser como você, na verdade. Um cara mais tranquilo, responsável, com uma filha linda e uma vida pacata e simples. No fundo frequento tanto a sua casa pra eu sentir o que era viver nesse seio familiar que sempre quis. Mas que nunca consegui criar pra mim”.

Briegel deu risada. Schultz depois também ao ver a cena.

“Sim, eu tenho muito medo de me relacionar. Só que você tem medo de se relacionar pois já foi machucado por uma mulher antes. Já eu tenho medo pois eu quase nunca me relacionei com alguém, e tenho medo de dar o primeiro passo em algo mais sério. Temos o mesmo problema, mas com soluções diferentes. Engraçado isso, não?”, disse Briegel.

“Sim. Muito mesmo”, disse Schultz, já com uma expressão menos sofrida do que antes, “Mas obrigado por vir comigo, pelo apoio, e por todo o resto, coronel. Acho que nenhuma mágoa sobrevive a uma boa noite de sono. É isso que vou fazer”. Schultz ao dizer isso foi em direção da saída, mas por conta da lotação do bar era inevitável que ele passaria na frente de Ingrid Müller.

Mas bem na hora que Schultz passava por ela pra ir pra saída, Ingrid deu um longo e romântico beijo em seu namorado na frente de Schultz. Ele observava aquilo tudo, aquela troca de carinhos, lábios se tocando, línguas dentro das bocas dançando, mãos entrelaçadas e os estalidos. Tudo aquilo o deixou mais abalado ainda, mas ele não queria demonstrar isso na frente dela, e deixou o local tentando manter-se o mais firme possível. Mas era possível ver no seu rosto que nada estava bem.

“O senhor tem cigarro?”, perguntou Schultz a um segurança do bar.

“Sim, tenho aqui. Pode ficar a vontade”, disse o segurança, dando um cigarro pra Schultz e acendendo-o.

Schultz deu uma longa tragada e soltou a fumaça. Depois tossiu e jogou o cigarro no chão, pisando-o.

“Você sempre fumava um depois que a gente fazia amor”, disse uma voz feminina atrás de Schultz. Ao se virar viu que era Ingrid, “Mas ouvi falar que você deixou de fumar pois ouviu falar que isso poderia te deixar impotente sexualmente”.

“Sua vaca, acho que pelo menos posso agradecer a você por ter tirado meu vício em cigarros. Fumar me acalma, mas também me lembra você. E isso revira meu estômago”, disse Schultz.

Nessa hora Ingrid se aproximou muito de Schultz, dando passos decididos e extremamente charmosos com os pés na frente. Seu rosto estava virado e era possível ver que ela estava com um batom estupidamente vermelho sendo iluminado pelas luzes dos postes de Berlim.

“Eu sei, meu amor. O seu vício nunca foi cigarros”, disse Ingrid, deixando o rosto bem perto de Schultz, enquanto ele estava paralisado observando-a, “O seu vício sempre era eu”.

Ingrid, mais baixa que Schultz, já estava com o rosto praticamente colado nele. Foi subindo a mão, colocando uma no rosto dele e a outra no seu peitoral, e aproximou sua boca com a de Schultz de maneira bem provocante, dando umas leves mordiscadas. Schultz sentia a respiração dela, e por um momento não sabia o que fazer. Quando ela tentou tocar os lábios pra dar um beijo Schultz a afastou, empurrando-a pelos ombros.

“Não, Ingrid. Nem se você fosse a última mulher do mundo que passaria pelo que passei de novo com você. Pra mim já chega. Se eu não dizer ‘não’ aqui, vou continuar preso a você, e jamais vou ter um futuro, isso sim”, disse Schultz, virando-se de costas e deixando Ingrid lá, apoiada no muro, olhando pra ele.

“Vem, Schultz, fica comigo. Só essa noite, vamos?”, disse Ingrid.

Schultz continou andando sem responder

“Não diga o que não pode fazer, Schultz, meu amor! Eu sei que você sempre vai estar lá pra quando eu precisar! Porque não aceita isso logo e deixa as coisas acontecerem, seu frouxo! Se renda ao que sente, podemos brincar um pouco sempre! No fundo no fundo a única pessoa que você amou na vida sou eu!”, disse Ingrid, carregada na ironia, como se já tivesse tudo no controle.

O que Schultz não viu era que Briegel estava na porta do bar vendo tudo aquilo de longe. Ao contrário do que fazia na maioria dos outros dias, Schultz foi dormir no quarto alugado que chamava de lar, perto da sede da SD.

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26 de novembro de 1933
07h06

A tristeza pode ser grande, mas nunca vai durar até a manhã.

Muitas vezes dormimos pra fugir dos nossos problemas também. Pode ser que ás vezes os problemas apareçam como pesadelos no meio da noite, mas em geral quando estamos realmente atolados de problemas parece que até o ato de dormir pode fazê-los parecer de alguma forma longe.

O sono de Schultz foi tão pesado que ele nem ouviu que pessoas haviam entrado no seu quarto. E estavam na pequena cozinha que ele usava de vez em nunca. Schultz despertou com os primeiros raios de sol daquela manhã, ouviu os barulhos de alguém na cozinha, se assustou, pegou sua arma na gaveta do criado mudo e foi calmamente até a divisória da sua cama com a cozinha improvisada.

“Oi tio, bom dia!!”, disse Alice, com um sorriso, “Acho melhor o senhor colocar uma cueca!”.

“Alice, caralho, que susto da porra!”, gritou Schultz, “O que diabos tá fazendo aqui?”.

“Papai disse que você tava ruim. Achei que não havia nada melhor que acordar com um café da manhã reforçado na cama! Mas você acordou antes, acabou com toda a graça!”, disse Alice. Havia ao lado dela muitas coisas típicas de um café da manhã alemão, todos colocados ricamente em uma mesinha desmontável que Alice havia trago. Haviam geléias, salame alemão, queijos, mel, café, leite, e Alice estava tirando do fogo alguns ovos cozidos que ela estava preparando. Schultz foi até sua cama e vestiu uma cueca e colocou uma camisa antes de se sentar na mesa.

“Senta aí, tio. Papai já deve estar chegando com os pães”, disse Alice. Bem nessa hora Briegel entrou.

“Filha, eu não achei aquele pão doce que você gosta, mas eu trouxe…”, disse Briegel ao entrar, mas se surpreendeu ao ver que Schultz já estava acordado e sentado na mesa, “Caramba, nem deixa a gente preparar uma surpresa pra você, já acordou?”.

“Olha, espero que não tenha quebrado a fechadura. Como raios você entrou?”, perguntou Schultz.

“Eu trabalho na Inteligência. Eu tenho meus métodos. E você tem os seus!”, brincou Briegel. Logo estavam os três sentados na mesa, prontos pra comer.

“Schultz, eu gostei muito do fora que você deu na Ingrid ontem”, disse Briegel.

“Nossa, que merda. Você viu?”, perguntou Schultz.

“Eu a vi na hora que ela se levantou. Ela é bem cínica mesmo. Beijou o cara de propósito na sua frente e depois que viu que você passou por ela foi correndo te pegar”, disse Briegel.

“Pois é. Mas nada como uma boa noite de sono. Já estou um pouco melhor depois disso tudo que rolou…”, disse Schultz.

“Tio, você me deixou muito orgulhosa também!”, disse Alice, “Qualquer coisa, não se esqueça das palavras que são capazes de erguer qualquer pessoa. São bem simples! É apenas: ‘é isso aí!’”.

Schultz deu um risinho. Estava realmente bem melhor que nos dias anteriores.

“Como assim? Você disse ‘é isso aí’? O que quer dizer com isso, ninguém fala isso!”, disse Schultz, enquanto comia.

“Como assim, digo eu!”, disse Briegel, bem animado, “É isso aí! Todo mundo diz! Quando você ouvir o chamado, sabe que tem que se mexer!”.

“É isso aí!”, disse Alice, também na mesma empolgação do pai, “Essa é a palavra-chave! Não importa onde dizer, sabe que será ouvido!”.

Schultz caiu na gargalhada ao ver a empolgação dos dois. Eles eram tão sérios que por mais que tentassem transpassar serem pessoas comuns pareciam dois desengonçados.

“É isso aí, então! Pode deixar que vou lembrar disso, seus panacas, agora larguem disso, de ficarem me olhando com essas caras. Vamos logo comer que tô com fome!”, disse Schultz.

Os três eram uma família de novo. E cada um do seu jeito único. Como se nunca nada tivesse acontecido.

“É bom ter você de volta, meu amigo. Com certeza essa vai ser a primeira de muitas coisas que vamos conseguir”, disse Briegel.

“Ah, larga disso, coronel!”, brincou Schultz, “Duvido que você vai desencalhar antes de mim. Mas me conta aí, a Alice me contou que você chegou super tarde daquele encontro com a italiana! Isso você não me contou! Seu safadinho, você comeu ela!”.

Briegel ficou vermelho de vergonha na mesma hora. Alice viu a cena e mesmo tentando se segurar acabou soltando um risinho.

“Schultz!”, brincou Briegel, “Vou chamar a Ingrid já, já, e você vai ver só!”.

Todos caíram na gargalhada. Como volta e meia faziam.

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