Amber #55 - A girl with no consequence.
Ao voltar para a Alemanha, no dia seguinte Briegel chamou Liesl para acompanha-lo em uma investigação. Foi atrás da primeira pista óbvia: Brigitte Briegel, sua irmã mais velha. A irmã mais velha que também era outra que só pisava nele, tão ruim quanto o próprio pai.
“Até onde eu me lembro era aqui”, disse Briegel, ao chegar na casa onde lembrava que havia visitado Brigitte, muitos anos atrás.
A casa de Brigitte Briegel era bem no centro da cidade de Brandenburgo. A região era conhecida como a “cidade velha”. Era uma casa modesta, mas até onde lembrava era um lugar bem chique e bem decorado por dentro. No final da rua era possível ver um dos muros de um dos primeiros campos de concentração nazistas criados por Hitler. Naquela época já havia sido desativado, e os presos pelo nazismo foram levados para uma área suburbana, um pouco distante dali.
Briegel estava com receio de Liesl perguntar alguma coisa, já que ela nunca havia vindo pra Brandenburgo. Por dentro estava torcendo para que ela não perguntasse nada, pois sabia que isso talvez mexeria com ela. Mas o que Liesl perguntou foi algo que nem mesmo Briegel estava preparado.
“Era ali então que ficava o campo de concentração”, disse Liesl, calmamente. Briegel apenas ouvia, tentando manter o rosto sem expressão, “Fiquei sabendo que eles se mudaram para Görden, e o que era prisão, hoje tem um nome mais ‘simpático’, se é que podemos chamar assim. Centro de Eutanásia de Brandenburgo”.
Briegel se assustou, e não conseguiu conter a expressão. Liesl realmente havia feito a lição de casa. Mudo, com vergonha de ter que confirmar que tudo o que ela sabia era verdade, Briegel ficou sem jeito. E não parou por aí, Liesl prosseguiu, uma vez que Briegel ficou sem resposta:
“Centro de Eutanásia... Piada! Aquilo é um edifício feito para execuções sumárias!”, disse Liesl, revoltada, “Ouvi falar que estão desenvolvendo até um novo método pra matar pessoas, que não precisa mais de balas, por lá. Parece que estão sufocando pessoas com gás venenoso. Ridículo e covarde...”.
Os olhos de Briegel marejaram. Ele pensando que era Liesl quem ficaria abalada por estar lá, mas na verdade talvez era a mente dele que estava com medo dele próprio acabar abalado. E naquele exato momento era exatamente isso. Briegel realmente não estava bem, e isso era visível em sua expressão.
Liesl viu então como Briegel estava, e se assustou.
“Coronel?!”, disse Liesl, como se quisesse se desculpar por ter falado aquelas coisas, “Não era minha intenç--“.
“Tudo bem, Liesl. Acho que novamente te menosprezei!”, se desculpou Briegel, olhando pra Liesl, “Bom, chega de falar dessas coisas. Vamos bater na porta pra ver se a Brigitte está”.
Briegel fechou o punho e deu três batidas na porta. Porém a porta estava indo pra frente a cada batida. Estava destrancada.
Os dois se assustaram e foram abrindo a porta calmamente. O local estava uma sujeira só. Móveis rasgados, papéis no chão, fezes, coisas grudentas, um cheiro horrível de carniça. Briegel ao adentrar olhou pra Liesl com um olhar aflito. Será que Brigitte estava bem?
“Coronel, tem um barulho vindo lá de cima!”, sussurrou Liesl. Briegel confirmou com a cabeça e foi subindo as escadas silenciosamente com a sua pistola em punho. Pareciam umas pancadas, e era um barulho ritmado, uma batida constante. Ao se aproximar da porta ouviu um barulho de como se essa coisa que estivesse batendo fosse arrastada e deixada numa madeira.
“Mas o que raios é isso?”, sussurrou Briegel para Liesl depois que entrou. Era claramente um quarto. Ou talvez foi um quarto, pois tudo estava bagunçado. Havia uma mesa pequena de chão e alguém com um cutelo.
“Uma... Menina?”, sussurrou Liesl para Briegel ao vê-la de costas. O cutelo estava vermelho, todo ensanguentado. Essa garota era bem nova, parecia ter uns sete anos, ou até menos. Estava ajoelhada no chão de frente pra mesa, de costas para Briegel e Liesl.
Ela então ouviu o sussurro de Liesl para Briegel e virou o rosto. E depois virou o corpo, segurando o que ela tinha nas mãos. Liesl ao ver aquilo literalmente perdeu o controle e foi pra trás, tropeçando e caindo no chão de susto.
A menina tinha um filhote de gato, morto nas mãos, e completamente desfigurado. Seus órgãos internos estavam saindo, sua cabeça havia sido dilacerada no meio, e seu pelo branco estava vermelho de sangue, igual ás mãos da menina com o cutelo.
“Minha nossa! O que diabos é isso?!”, disse Briegel, virando o rosto ao ver o pobre gato estripado nas mãos da menina. Liesl do outro lado virou a cabeça pro chão, e começou a dar tossidas fortes, de como quem fosse vomitar.
“Pois não?”, disse a menina, num alemão cheio de sotaque.
Era uma cena bizarra. A menina não tinha nenhuma expressão em específico. Parecia agir como se aquele corpo do animal nas suas mãos era um brinquedo, uma coisa comum. Em cima de uma cadeira havia outras partes de outros gatos que haviam sido estripados. Patas, cabeças, expressões agonizantes dos pobres animais e sangue, muito sangue. Aparentemente eram todos filhotes, provavelmente da mesma ninhada.
“Você mora aqui?”, disse Briegel, tentando olhar pra menina. Ela deixou o gato de volta na mesa ao lado do cutelo e limpou as mãos no seu vestido verde. A menina estava muito suja e fedia muito. Seu cabelo era de um castanho amendoado encaracolado, e seus olhos tinham uma belíssima cor de mel, que combinava com o tom natural das madeixas. Estava com vários respingos de sangue sobre o seu corpo e roupa. Mas não parecia feliz, não parecia com raiva, não parecia triste. Tinha um rosto totalmente normal, como se não visse nada de errado em fazer aquilo com os pobres gatinhos.
“Sim. Não havia ninguém, então achei que podia ficar. Está procurando alguém?”, perguntou a menina.
“Merda...”, disse Briegel olhando pro lado. Viu então Liesl, que não estava nada bem e foi ao encontro dela, “Você tá bem? Calma, só não olha pra lá, sim? Desce as escadas e me espera lá, sim?”.
“Tudo bem, coronel. Me desculpe”, disse Liesl olhando pra Briegel quando veio ao seu socorro. Ao olhar pro seu amado ela enrubesceu e se sentiu melhor, conseguindo ficar de pé, se apoiando em Briegel.
“O que raios você tá fazendo aqui? Porque matou esses pobres filhotes?”, perguntou Briegel, tentando entender algo.
“Não vi problema algum”, disse a menina, pausadamente, como se não tivesse a menor noção do certo ou errado, “Eles estavam destinados a morrer de qualquer forma. Sem mãe, sem comida, iriam acabar morrendo lentamente. Fiz um favor a eles, matando-os de uma vez.”.
Aquela lógica não fazia sentido nenhum pra Briegel. Para qualquer pessoa em sã consciência não faria sentido algum também.
“E quem é você, menina?”, perguntou Briegel.
A menina se ergueu, levando o corpo do filhote de gato para junto dos outros estripados em cima da cadeira. Parecia distraída, organizando as cabeças, patas, órgãos, tudo em uma ordem.
“Eu sou uma viajante sem rumo, pronta para zarpar”, disse a menina, com uma expressão calma, “Uma garota sem nenhuma consequência”, e ao dizer essa última frase ela deu um tímido sorriso.
Seus olhos não tinham expressão. Pareciam distantes. Ela não expressava nenhum sentimento, sequer estava assustada em ver pessoas entrando naquela casa que ela resolveu residir e chamar de sua. Pela sua aparência ela parecia ser exatamente o que ele dizia ser. Uma garota sem nenhuma consequência.
“Até onde eu me lembro era aqui”, disse Briegel, ao chegar na casa onde lembrava que havia visitado Brigitte, muitos anos atrás.
A casa de Brigitte Briegel era bem no centro da cidade de Brandenburgo. A região era conhecida como a “cidade velha”. Era uma casa modesta, mas até onde lembrava era um lugar bem chique e bem decorado por dentro. No final da rua era possível ver um dos muros de um dos primeiros campos de concentração nazistas criados por Hitler. Naquela época já havia sido desativado, e os presos pelo nazismo foram levados para uma área suburbana, um pouco distante dali.
Briegel estava com receio de Liesl perguntar alguma coisa, já que ela nunca havia vindo pra Brandenburgo. Por dentro estava torcendo para que ela não perguntasse nada, pois sabia que isso talvez mexeria com ela. Mas o que Liesl perguntou foi algo que nem mesmo Briegel estava preparado.
“Era ali então que ficava o campo de concentração”, disse Liesl, calmamente. Briegel apenas ouvia, tentando manter o rosto sem expressão, “Fiquei sabendo que eles se mudaram para Görden, e o que era prisão, hoje tem um nome mais ‘simpático’, se é que podemos chamar assim. Centro de Eutanásia de Brandenburgo”.
Briegel se assustou, e não conseguiu conter a expressão. Liesl realmente havia feito a lição de casa. Mudo, com vergonha de ter que confirmar que tudo o que ela sabia era verdade, Briegel ficou sem jeito. E não parou por aí, Liesl prosseguiu, uma vez que Briegel ficou sem resposta:
“Centro de Eutanásia... Piada! Aquilo é um edifício feito para execuções sumárias!”, disse Liesl, revoltada, “Ouvi falar que estão desenvolvendo até um novo método pra matar pessoas, que não precisa mais de balas, por lá. Parece que estão sufocando pessoas com gás venenoso. Ridículo e covarde...”.
Os olhos de Briegel marejaram. Ele pensando que era Liesl quem ficaria abalada por estar lá, mas na verdade talvez era a mente dele que estava com medo dele próprio acabar abalado. E naquele exato momento era exatamente isso. Briegel realmente não estava bem, e isso era visível em sua expressão.
Liesl viu então como Briegel estava, e se assustou.
“Coronel?!”, disse Liesl, como se quisesse se desculpar por ter falado aquelas coisas, “Não era minha intenç--“.
“Tudo bem, Liesl. Acho que novamente te menosprezei!”, se desculpou Briegel, olhando pra Liesl, “Bom, chega de falar dessas coisas. Vamos bater na porta pra ver se a Brigitte está”.
Briegel fechou o punho e deu três batidas na porta. Porém a porta estava indo pra frente a cada batida. Estava destrancada.
Os dois se assustaram e foram abrindo a porta calmamente. O local estava uma sujeira só. Móveis rasgados, papéis no chão, fezes, coisas grudentas, um cheiro horrível de carniça. Briegel ao adentrar olhou pra Liesl com um olhar aflito. Será que Brigitte estava bem?
“Coronel, tem um barulho vindo lá de cima!”, sussurrou Liesl. Briegel confirmou com a cabeça e foi subindo as escadas silenciosamente com a sua pistola em punho. Pareciam umas pancadas, e era um barulho ritmado, uma batida constante. Ao se aproximar da porta ouviu um barulho de como se essa coisa que estivesse batendo fosse arrastada e deixada numa madeira.
“Mas o que raios é isso?”, sussurrou Briegel para Liesl depois que entrou. Era claramente um quarto. Ou talvez foi um quarto, pois tudo estava bagunçado. Havia uma mesa pequena de chão e alguém com um cutelo.
“Uma... Menina?”, sussurrou Liesl para Briegel ao vê-la de costas. O cutelo estava vermelho, todo ensanguentado. Essa garota era bem nova, parecia ter uns sete anos, ou até menos. Estava ajoelhada no chão de frente pra mesa, de costas para Briegel e Liesl.
Ela então ouviu o sussurro de Liesl para Briegel e virou o rosto. E depois virou o corpo, segurando o que ela tinha nas mãos. Liesl ao ver aquilo literalmente perdeu o controle e foi pra trás, tropeçando e caindo no chão de susto.
A menina tinha um filhote de gato, morto nas mãos, e completamente desfigurado. Seus órgãos internos estavam saindo, sua cabeça havia sido dilacerada no meio, e seu pelo branco estava vermelho de sangue, igual ás mãos da menina com o cutelo.
“Minha nossa! O que diabos é isso?!”, disse Briegel, virando o rosto ao ver o pobre gato estripado nas mãos da menina. Liesl do outro lado virou a cabeça pro chão, e começou a dar tossidas fortes, de como quem fosse vomitar.
“Pois não?”, disse a menina, num alemão cheio de sotaque.
Era uma cena bizarra. A menina não tinha nenhuma expressão em específico. Parecia agir como se aquele corpo do animal nas suas mãos era um brinquedo, uma coisa comum. Em cima de uma cadeira havia outras partes de outros gatos que haviam sido estripados. Patas, cabeças, expressões agonizantes dos pobres animais e sangue, muito sangue. Aparentemente eram todos filhotes, provavelmente da mesma ninhada.
“Você mora aqui?”, disse Briegel, tentando olhar pra menina. Ela deixou o gato de volta na mesa ao lado do cutelo e limpou as mãos no seu vestido verde. A menina estava muito suja e fedia muito. Seu cabelo era de um castanho amendoado encaracolado, e seus olhos tinham uma belíssima cor de mel, que combinava com o tom natural das madeixas. Estava com vários respingos de sangue sobre o seu corpo e roupa. Mas não parecia feliz, não parecia com raiva, não parecia triste. Tinha um rosto totalmente normal, como se não visse nada de errado em fazer aquilo com os pobres gatinhos.
“Sim. Não havia ninguém, então achei que podia ficar. Está procurando alguém?”, perguntou a menina.
“Merda...”, disse Briegel olhando pro lado. Viu então Liesl, que não estava nada bem e foi ao encontro dela, “Você tá bem? Calma, só não olha pra lá, sim? Desce as escadas e me espera lá, sim?”.
“Tudo bem, coronel. Me desculpe”, disse Liesl olhando pra Briegel quando veio ao seu socorro. Ao olhar pro seu amado ela enrubesceu e se sentiu melhor, conseguindo ficar de pé, se apoiando em Briegel.
“O que raios você tá fazendo aqui? Porque matou esses pobres filhotes?”, perguntou Briegel, tentando entender algo.
“Não vi problema algum”, disse a menina, pausadamente, como se não tivesse a menor noção do certo ou errado, “Eles estavam destinados a morrer de qualquer forma. Sem mãe, sem comida, iriam acabar morrendo lentamente. Fiz um favor a eles, matando-os de uma vez.”.
Aquela lógica não fazia sentido nenhum pra Briegel. Para qualquer pessoa em sã consciência não faria sentido algum também.
“E quem é você, menina?”, perguntou Briegel.
A menina se ergueu, levando o corpo do filhote de gato para junto dos outros estripados em cima da cadeira. Parecia distraída, organizando as cabeças, patas, órgãos, tudo em uma ordem.
“Eu sou uma viajante sem rumo, pronta para zarpar”, disse a menina, com uma expressão calma, “Uma garota sem nenhuma consequência”, e ao dizer essa última frase ela deu um tímido sorriso.
Seus olhos não tinham expressão. Pareciam distantes. Ela não expressava nenhum sentimento, sequer estava assustada em ver pessoas entrando naquela casa que ela resolveu residir e chamar de sua. Pela sua aparência ela parecia ser exatamente o que ele dizia ser. Uma garota sem nenhuma consequência.
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