Amber #68 - A dor da incapacidade, e o sofrimento da impotência.

“Solta ela, seu idiota!!”, gritou Alice avançando contra Sundermann. Alice, apesar de ser filha de Briegel, não sabia nada a não ser um pouco de defesa pessoal. Sua força era nada contra Sundermann, que mais se assustou com o grito do que com o empurrão que ela deu.

Liesl nessa hora aproveitou a distração de Sundermann e lhe deu um potente chute no queixo, o jogando pra trás. Sundermann caiu em cima de alguns móveis velhos gritando de dor depois do impacto. Enquanto ela observava, Liesl percebeu que algo estava ardendo no seu olho esquerdo. Quando ela colocou a mão pra tirar o que estava coçando enfim percebeu: era sangue.

“Liesl! Você tá ferida!”, gritou Alice. Liesl na verdade nem sentiu o corte, foi um corte limpo com a faca, não sentiu nenhuma dor. Apenas percebeu que estava ferida agora, por conta do sangue respingando nos olhos, “Você tá legal? Foi só aí que ele te acertou?”.

O corte era horizontal na parte superior esquerda da sua testa. Não era muito longo, mas certamente era profundo, por conta do intenso sangramento.

“Não, eu estou bem Alice, agora sai daqui! Eu desviei no último momento, ele quase acertou meu olhos. Sorte sua que você assustou ele com aquele grito que você deu. Preciso que você vá ajudar aquela menina ali no canto, ela tá em choque, acho que você pode fazer algo!”, gritou Liesl, pedindo pra Alice ir ajudar Anastazja.

Novamente era o embate entre Sundermann e Liesl. Ele se ergueu segurando a faca em mãos, e Liesl enfim jogou sua pesada mochila de lado e arregaçou as mangas do seu traje militar. Ela já havia feito treinamentos de combate contra facas com o coronel Briegel, também era uma área que tinha alguma experiência.

“Eu sou uma judiazinha porca, é? Então vem então. Finca essa faca em mim, vem!”, desafiou Liesl. Sundermann tentou dar umas investidas com a faca, mas Liesl desviou facilmente. Os dois estava girando um ao redor do outro, aguardando o melhor momento para dar uma investida, “Você quer me matar, não é? Vem logo então!”.

“Sua porquinha imunda!”, gritou Sundermann indo pra cima de Liesl, que desviou do braço dele com a faca e o segurou forte, dando um golpe e torcendo a mão do alemão, o fazendo além de soltar urros de dor, soltar a sua faca.

“Agora é a minha vez!”, anunciou Liesl, e virando o corpo com Sundermann em seu poder, fechou o punho e desferiu um golpe em seu rosto, seguido de outros dois, um no abdome e mais um no rosto. Sundermann se apoiou numa pilastra e tomou impulso indo pra cima de Liesl com um soco, que foi mal colocado e não causou muitos danos na garota.

Antes de Sundermann desferir mais um golpe, Liesl o empurrou contra a pilastra com um chute, e Sundermann bateu com as costas na pilastra e segurou o pé da menina. Liesl pegou, deu um salto e deu um potente chute no maxilar de Sundermann. Ela terminou o chute com um sorriso, como se esperasse que esse chute enfim acabaria a luta ali, mas Sundermann parecia ser feito de metal, pois ele simplesmente não caía.

Seu rosto estava completamente vermelho e sangrando. Os golpes de Liesl eram potentes e precisos. Fechando os dois punhos Liesl desferiu mais três socos em Sundermann, mas ele não apenas os suportou, como deu um contra-ataque potente contra a menina, acertando um soco no rosto e outro no seu abdome.

Porém, para sua surpresa, Liesl deu mais um chute na direção da orelha de Sundermann, o lançando contra o chão violentamente. Ela, ainda de pé, se encostou numa pilastra, cuspindo um pouco de sangue. Ela não esperava que ele ainda tinha forças pra dar um soco como aquele.

“Chega disso, Sundermann!”, gritou Alice, abraçada com Anastazja, “Isso que você faz é injusto! A Liesl não pediu pra nascer judia, eu não escolhi nascer negra e essa donzela aqui menos ainda pediu pra nascer polonesa! Você quer nos castigar não por uma escolha que fizemos, mas por algo que não tivemos como escolher antes de nascer!”.

Sundermann estava de quatro, com o rosto pra baixo. Esse último chute da Liesl foi muito mais forte do que ele pensava. Sangrando muito, transpirando, cansado, e sem ar, Sundermann imaginou que tudo poderia ter sido fácil se ele tivesse acertado aquele primeiro tiro e matado Liesl sem nenhum combate. Ele não imaginava nunca que aquela menina soubesse lutar tão bem, a ponto de subjuga-lo desse jeito.

“Asneiras e mais asneiras! Eu sou um alemão puro! Eu sou a síntese da melhor das raças desse mundo! Vocês são os erros, as falhas, e merecem ser exterminados!”, dizia Sundermann, crente no ideal que ele acreditava ser correto.

Liesl estava encostada, se recuperando dos golpes. Seu sangramento ainda não estava doendo, mas estava atrapalhando muito sua visão aquele sangue todo caindo no seu olho esquerdo. Com uma mão no ferimento e outra no estômago tentando massagear para diminuir a dor, ela viu que era a hora dela lançar alguns questionamentos contra Sundermann.

“Exatamente como a Alice falou. Eu não escolhi ser judia, nem ela negra, nem aquela menina polonesa”, disse Liesl, tomando respiração para falar a fala mais importante que viria a seguir: “E você também não escolheu ser homossexual. Você simplesmente nasceu assim. Você está nas listas de alvos de Adolf Hitler tanto quanto nós estamos!”.

Sundermann nessa hora se ergueu e correu pra Liesl, a agarrando com suas mãos, gritando de fúria. Liesl estava sendo erguida por ele pela gola da sua jaqueta, pressionada contra uma pilastra agressivamente.

“Eu não sou homossexual!! Eu não sou homossexual!!”, dizia Sundermann, mentindo pra si mesmo em voz alta, “Eu tenho uma carreira, uma vida, e ela não vai terminar por conta de uma mentira como essa! Como ousa levantar uma mentira dessas contra mim?”.

“Você não é homossexual, então? Então me prova!”, disse Liesl, olhando com um olhar de quem estava com total controle da situação, apesar do fato de Sundermann estar a segurando erguida numa pilastra, “Me come! Vamos!! Me come!!”.

Sundermann por dentro ficou profundamente transtornado com aquilo. Uma pessoa gay ouvir isso era algo invasivo e humilhante, seria como se um hétero ouvisse um pedido de um gay para transar com ele. O alemão sequer havia visto uma vagina na vida, e sequer tinha noção de como era a sensação, apenas havia transado com outros homens.

“Vai, Sundermann! Bota esse pinto pra fora! Me estupra! É capaz disso? Me come!! Vamos!!”, gritava Liesl, vendo a expressão no rosto de Sundermann ao ouvir aquilo. Ela indagava e desafiava cada vez mais Sundermann, que não conseguia fazer nada a não ser ficar lá, parado, sem reação.

Ele sequer havia visto uma vagina, e nem saberia por onde começar. Claro que ele sabia obviamente como que era o intercurso sexual entre casais heterossexuais. Mas ele nunca tinha experimentado isso numa mulher. Achava a vagina uma coisa nojenta, sem forma definida, peluda e fedida. Aquilo definitivamente não o despertava nenhum sentimento ou vontade nele.

“Me estupra, Sundermann! Faz igual aqueles seus amiguinhos do seu pelotão! Vem, Sundermann, me pega de quatro! Goza tudo o que você tem dentro de mim! Me faz chorar! Vai logo, Sundermann! Vai logo!!”, gritava Liesl, em tom cada vez mais de deboche contra Sundermann.

E aí ele foi a soltando e Liesl foi calmamente sendo levada de volta ao chão. Sundermann a olhou com uma raiva profunda nos olhos, as sobrancelhas arqueadas em fúria, como se não soubesse nem por onde começar. Decidiu então seguir o lógico, puxou seu cinto que segurava suas calças, as desabotoou e puxou o zíper. Sequer deu pra ver sua cueca, pois parou ali mesmo quando viu que a incapacidade de conseguir transar com uma mulher era bem maior do que ele poderia imaginar. Em seu coração havia um misto de medo, insegurança, incompreensão e nojo. Achava o corpo feminino algo nojento.

Ele no fundo estava profundamente constrangido, e o fato dele ter chegado até mesmo a desabotoar suas calças e parado no meio o deixou ainda mais encabulado com toda aquela situação em que ele apenas conseguia demonstrar uma raiva imensa de não ser capaz de fazer algo que parecia tão fácil, algo que todos os outros homens conseguiriam facilmente. Seu pinto continuava mole. Absolutamente nenhum tesão, nenhuma libido, nada. Era exatamente o contrário.

“Não consegue, né?”, disse Liesl. Aquele era o momento mais vexatório que Sundermann havia sentido até então, “Não consegue...”.

“Nós sabemos que você vai ser enviado para um campo de concentração se descobrirem sua orientação sexual, Sundermann. Acredite, nós não queremos isso. Não queremos que ninguém vá, nem mesmo você”, disse Alice se erguendo com Anastazja, que ainda chorava muito e estava inconsolável, “Nenhum de nós escolheria ser o que somos nessa época e nesse momento se pudéssemos escolher. A mesma coisa é com você. Nenhuma pessoa escolhe ser gay, não é uma ‘opção’ como algo que você pode escolher e deixar para trás. Simplesmente as pessoas nascem assim, e não temos nada a fazer a não ser aceitar. Acha que num mundo preconceituoso, que condenam pessoas homossexuais à morte, acha que realmente uma pessoa escolheria ser homossexual se tivesse esse poder de escolha? É óbvio que não! Você é uma das poucas pessoas que sabem que a Liesl é judia. E nós sabemos que você é homossexual. Será que não podemos fazer uma trégua? Essa luta provou com a Liesl é bem superior a você, e não temos motivos pra denunciar você, e você também não tem motivos para nos denunciar”.

Alice, abraçada com Anastazja saiu pela porta dos fundos do celeiro, de onde haviam entrado. Ao sair e olhar pro lado viu ninguém menos que Izaak Goldberg, o marido de Sundermann, com uma cara abatida. Ao contrário de Sundermann, Goldberg sempre se questionou por ser gay e ter que trabalhar fazendo o trabalho sujo, lutando pelo Führer. Sua expressão triste e envergonhada mostrava que ele sabia que aquelas duras palavras que Alice havia dito eram repletas de verdade.

Goldberg não conseguiu falar nada. E tampouco Alice disse algo para ele, os dois apenas trocaram olhares. No fundo Goldberg tinha tanta vergonha do que Sundermann estava fazendo que talvez nem saberia onde enfiar a cara.

“Aaaaaaah!”, gritou Liesl, de dentro do celeiro. Alice deixou Anastazja sentada no gramado e foi correndo até lá. Ao cruzar a porta viu que Sundermann estava enfocando Liesl com seu cinto.

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