Amber - Et si tu n'existais pas, dis-moi pourquoi j'existerais?
Eu devia estar louca! Eu tinha, sei lá, treze anos! Em dezembro daquele ano eu faria ainda quatorze. Onde uma menina de treze anos nesse mundo iria ter uma relação amorosa com um homem formado de mais de quarenta anos? Isso era insano.
Mas aquele abraço eu nunca consegui esquecer. Era diferente do amor que eu sentia pelos meus pais, ou pela minha prima Maggie. A essência era a mesma, mas havia uma vontade imensa de me jogar, de estar junto, e a presença dele era algo tão bom. Me confortava. Me dava vontade de querer mais. Mas ao mesmo tempo eu tinha na minha mente uma hesitação enorme.
Será que ele me amaria?
“Muito bem, Liesl. Agora levanta e tenta de novo”, disse Briegel, no meio de um dos treinamentos.
Eu estava exausta! Já havia passado mais de um ano desde que eu havia chegado a Berlim. E embora o coronel Briegel não gostasse de eu ter entrado na Liga das Moças Alemãs, ele decidiu que iria me treinar, como sua discípula. Disse várias vezes que nunca havia passado o método inteiro dele pra ninguém, e que eu seria a primeira, digamos, “cobaia”. Briegel me treinaria para ser uma agente da Inteligência e passaria todos os conhecimentos dele.
“Escuta, já disse pra esquecer isso de que mulheres são mais fracas. Não são. Luta não se decide pela força, e sim pela técnica. Você pode lutar contra um homem com o dobro do seu tamanho, você sempre vai vencer porque vai ter uma técnica superior, entendeu bem?”, disse o coronel, depois que eu me ergui.
Eu estava aprendendo diversas línguas em tempo recorde com um método que ele havia me ministrado. Havia um intenso treinamento cognitivo para conseguir resolver diversos testes avançados de inteligência. Leitura corporal, métodos interrogatórios, resistência, controle emocional, e mais um monte de coisa. Apesar de pouquíssimo tempo, eu era a mais avançada, e sentia que treinar como o coronel era como se eu fosse um frasco vazio e ele despejasse o conhecimento de uma forma fluída como água. Treinamento intenso todo dia das seis da manhã até ás dez da noite. Embora muitas vezes eu sentisse uma imensa fadiga mental, os treinamentos de luta eram os mais exaustivos.
“Vamos Liesl, tenta me acertar de novo. Lembra bem do que ensinei há alguns minutos, certo? Vem com tudo, menina!”, ordenou Briegel, mas francamente, meu corpo parecia não me responder mais. Tudo estava dolorido, e o coronel não me dava uma folga nem pela minha idade, menos ainda por ser uma garota.
O fato é que por mais que ele pedisse para eu tentar acertar um soco nele, eu não tinha mais quase nenhuma força para fazê-lo.
“Opa, Liesl, acho que é melhor tirarmos uma folga amanhã”, propôs Briegel, vendo o cansaço de Liesl durante os treinos, “Você quase não descansa, realmente você anda bem compenetrada. Mas o descanso faz parte do aprendizado. Não precisa me provar que não tem determinação. Eu mais do que ninguém consigo perceber isso!”.
Mas não, eu não queria! Porém nem força pra responder ele eu tinha naquele momento. Ocupar minha cabeça estava me ajudando a tentar eliminar aquele sentimento errado de me apaixonar por um homem muito mais velho que eu. Enquanto treinávamos não era para mim o homem que eu tinha um interesse amoroso. Ali eu o via como meu mestre. O problema eram nesses momentos que meu corpo não respondia e ele mostrava esse aspecto humano dele que me ganhava a cada momento mais e mais espaço no meu coração. O que eu senti depois que ele disse isso foi mais forte que eu, e eu praticamente caí desmaiada de cansaço nos braços dele. Eu estava exausta e o dia seguinte teríamos uma das poucas folgas nesses quase dois anos de treinamento que só estavam começando.
“Papai, você tá pegando muito pesado com a coitada da Liesl!”, reprimiu fortemente Alice, “Olha como ela emagreceu! Você não pode simplesmente fazer dela sua discípula nessa rotina espartana! Não tem ser humano que suporte isso!”.
Eu não sabia que a Alice tomaria minhas dores e me defenderia. Minha vontade era de contar pra ela a verdade: era eu quem estava forçando a barra e querendo fazer um treinamento mais árduo, e não o coronel. Mas simplesmente ela não me deixava falar, como se estivesse realmente tentando me defender.
“Mas filha, eu juro que é o que a Liesl quer!”, explicou Briegel, expressando um certo medo da filha, “E ela não emagreceu. Isso tudo é músculo! Olha o braço da menina, tá super definido!”.
Alice nessa hora pressionou com os dedos o bíceps de Liesl. Realmente era duro, parecia que era apenas osso.
“Por deus, como você tá forte!”, disse Alice, baixinho, como se não acreditasse, “Ainda assim, ela é uma menina! Ela está crescendo! Já tá quase mais alta que eu, mas ainda precisa crescer um pouco!”.
O coronel riu alto. No fundo achava fofo aquela preocupação de Alice com a sua aprendiz.
“Viu só que furada você me jogou, Liesl? Vamos fazer uma folga por semana, religiosamente, a partir de agora, sim? Deu pra ter uma noção de como a Alice fica quando fica braba, certo? Não me faça ela me expulsar de casa!”.
Na noite daquele dia eu subi no quarto de Alice para bater papo, quando entrei a vi muito produzida e lembrei que ela havia dito que ia sair. Abri um pouquinho a porta e tão rapidamente que a vi se arrumando, fechei a porta e saí de mansinho.
“Liesl, espera!”, perguntou Alice, que havia percebido que eu havia aberto a porta, “Tudo bem? Quer falar algo?”.
“Ah, não, desculpa! Pensei que você ia ficar em casa, subi só pra jogar conversa fora. Esqueci que você tinha dito que ia sair”, explicou Liesl, sem jeito, “Max vai vir te buscar?”.
“Ei, eu tenho uns minutinhos! Vem cá, tô terminando meu cabelo!”, disse Alice, convidando Liesl para o quarto. Ao entrar, Alice foi até sua penteadeira, onde sua peruca favorita a aguardava, sendo arrumada: “Precisava dar uma penteada na minha peruca. Max fala que eu devia deixar meu cabelo crescer, mas não tem nenhum produto pra mulheres com cabelos crespo. E tá cada vez mais complicado comprar coisas dos Estados Unidos por aqui”.
“Sente falta de deixar seu cabelo verdadeiro crescer?”, perguntei.
“Claro que eu tenho! Puxa, eu queria tanto! Cabelo é uma coisa tão forte para nós mulheres, não é mesmo? Espero que surjam mesmo cosméticos para pessoas negras. Mas acho que antes de termos cosméticos para nós, as pessoas no mínimo deviam nos ver como humanos também. Não importa de que lugar seja, negros são nunca bem vistos pela sociedade”, desabafou Alice, colocando a peruca.
“Alice, como você e o Max se conheceram?”, perguntou Liesl, mudando de assunto completamente, subitamente. Alice virou pra trás com os olhos arregalados, não esperava essa pergunta. Voltou ao espelho e continuou ajeitando sua peruca.
“Nos conhecemos há um ano mais ou menos”, disse Alice, colocando lindos brincos de argola nas orelhas, “Papai foi convidado para uma festa organizada por uns empresários. Obviamente só me deixaram entrar porque eu estava com papai. No começo eu não dei muita atenção pra ele não. Esses alemães aí vivem dizendo que querem algo com a gente, mas eles conseguem colocar as roupas de volta tão rápido quanto conseguem tirar”.
“Eita. E quando começaram a namorar?”, perguntei.
“Pedi a opinião do papai. Ele gostou bastante dele! E eu sabia que o papai levantaria a ficha inteira dele, então fiquei super tranquila quando ele disse que ele era uma pessoa limpa!”, disse Alice, rindo alto, “Mas como eu já era crescida, e já havia tido alguns namorados, papai sempre confiou em mim. Max fez amizade com o papai e volta e meia aparecia em casa, a gente ficava conversando e aí as coisas foram acontecendo. Quando vi, já estávamos nos beijando! Foi tudo muito rápido! Algo no meu coração dizia que era ele, sabe?”.
Liesl nessa hora ficou vermelha. Será que era isso que o coração dela dizia? Que Roland Briegel era o homem destinado para ela?
“Menina, você tá um pimentão!”, brincou Alice, sem nem ter ideia do interesse amoroso.
“Mas como é que foi que você saiu da amizade? Você não foi interessada nele desde a primeira vista. Como surgiu a faísca que culminou na paixão?”, perguntou Liesl.
Alice ouviu a campainha, era Max que veio busca-la para jantar. Totalmente arrumada e segurando um grosso casaco de frio, Alice viu que Liesl não a deixaria ir se ela não lhe desse uma resposta convincente.
“Acho que essa faísca do amor nasce da aceitação”, disse Alice, explicando, “A gente conhece a pessoa, e vê que ele é um bom homem. Aí depois a gente começa a conhecer melhor pra ver se temos segurança. Acho que a próxima fase é que a gente acaba enganando o nosso próprio coração, usando nossos pensamentos”.
“Hã? Como assim?”.
“Eu já tinha uma atração. Max é bonito, bem educado, de uma excelente família e uma ótima pessoa. Eu não ligo pro dinheiro, queria uma pessoa para passar a vida, e o Max trabalha igual um condenado pra ganhar nada”, disse Alice, num tempo em que o próprio Max, apesar de ser empresário, ainda estava muito longe de ter algum dinheiro, “Mas um dia eu pensei que seria interessante ter um relacionamento com ele. Pensei que seria bom ter ele como meu namorado. Pensei que seria bom ter ele ao meu lado, como alguém especial”.
“Pensou na possiblidade. Entendi. E então?”.
“Quando fui ver, vi que estava aceitando cada uma das coisas. Havia pregado uma peça no meu coração!”, disse Alice, rindo, como se aquilo fosse engraçado, “Foi nesse momento que o sentimento de amor nasceu. Ás vezes as pessoas ficam dias, semanas, meses apenas com a pessoa na cabeça. Ficamos momentos com a pessoa e parece que a vida ganha cores, tudo fica alegre e muito feliz. A gente fica triste quando se despede e conta os dias pra se ver de novo. Eu não fiquei muito tempo nessa fase, foi muito recíproco e quando fui ver já estávamos nos beijando, acredita? Mas se pudesse dizer onde foi o momento que nasceu a primeira fagulha de amor foi exatamente nesse momento que pensei que poderíamos ser algo mais do que amigos. A partir daí comecei a sonhar, e hoje, estamos realizando tudo isso!”.
Eu confirmei com a cabeça, entendendo a explicação de Alice. Vi minha amiga descendo as escadas e da janela vi os dois se abraçando e girando juntos tocando os lábios igual um casal apaixonado. Lembro que até hoje guardo com carinho essa lembrança, pois essa memória ficou ainda mais especial quando horas mais tarde Alice voltou pra casa e disse que Max a havia pedido em casamento no jantar daquela noite.
Eu sabia que a partir daquele momento eu estava em uma encruzilhada. Não tem como recuar passos quando estamos apaixonadas por alguém. Por mais que tentamos controlar o sentimento, ele vai cada vez mais crescendo e crescendo dentro da gente. Por mais que tente não pensar, nos pegamos pensando. Por mais que tente não olhar, nos pegamos olhando. Por mais que tente não nutrir sentimentos, acabamos nutrindo.
O ponto de mudança nasceu em um sonho.
Sonhos sempre são estranhos. Estávamos em uma fila, não era uma fila muito grande, mas estávamos um de mãos dadas com o outro.
“Olha amor, tá chegando nossa vez logo logo!”, disse Briegel, soltando da minha mão e me abraçando de lado.
Tudo parecia um evento, estávamos num edifício, num colégio antigo, sei lá. Mas era tão bom! Eu não apenas sentia a mão dele na minha cintura, mas também podia sentir até um pouco do coração dele quando colocava meu ouvido no peito dele.
“Sabe, é tão bom ficar com você assim. Mesmo uma fila chata dessas fica até legal”, eu disse pra ele, no sonho.
A fila não andava. Ou melhor, andava um pouco, mas eu não sabia pra quê, nem ao menos o que teria no final dela. O que importava era que eu tinha ele do meu lado, do jeito que eu sempre imaginei, do jeito que eu sempre sonhei. Não importava quanto tempo a gente passaria em pé. O que importava era que ele estava ali do meu lado, abraçadinhos, como um casal.
“É verdade. Eu te amo muito, sabia?”, disse Briegel. E nessa hora ele me beijou, no sonho. A sensação foi tão boa que eu despertei na minha cama. E vi que foi apenas um sonho.
Mas eu não queria que aquilo terminasse. Virei o travesseiro e voltei a dormir. E novamente entrei naquele lindo sonho, e conseguimos desfrutar ainda mais daquela fila interminável, mas um do ladinho do outro, como sempre imaginei. E se você não existisse, diga-me, porque eu existiria? Lembro que já de volta ao nosso sonho ficamos abraçadinhos, sentia o calor dele junto ao meu. Não havia erotismo, não havia sacanagem, somente havia um amor puro e inocente, de uma simples adolescente que conhecia esse sentimento pela primeira vez.
A tal da faísca do amor havia sofrido a ignição dentro do meu coração.
Mas aquele abraço eu nunca consegui esquecer. Era diferente do amor que eu sentia pelos meus pais, ou pela minha prima Maggie. A essência era a mesma, mas havia uma vontade imensa de me jogar, de estar junto, e a presença dele era algo tão bom. Me confortava. Me dava vontade de querer mais. Mas ao mesmo tempo eu tinha na minha mente uma hesitação enorme.
Será que ele me amaria?
“Muito bem, Liesl. Agora levanta e tenta de novo”, disse Briegel, no meio de um dos treinamentos.
Eu estava exausta! Já havia passado mais de um ano desde que eu havia chegado a Berlim. E embora o coronel Briegel não gostasse de eu ter entrado na Liga das Moças Alemãs, ele decidiu que iria me treinar, como sua discípula. Disse várias vezes que nunca havia passado o método inteiro dele pra ninguém, e que eu seria a primeira, digamos, “cobaia”. Briegel me treinaria para ser uma agente da Inteligência e passaria todos os conhecimentos dele.
“Escuta, já disse pra esquecer isso de que mulheres são mais fracas. Não são. Luta não se decide pela força, e sim pela técnica. Você pode lutar contra um homem com o dobro do seu tamanho, você sempre vai vencer porque vai ter uma técnica superior, entendeu bem?”, disse o coronel, depois que eu me ergui.
Eu estava aprendendo diversas línguas em tempo recorde com um método que ele havia me ministrado. Havia um intenso treinamento cognitivo para conseguir resolver diversos testes avançados de inteligência. Leitura corporal, métodos interrogatórios, resistência, controle emocional, e mais um monte de coisa. Apesar de pouquíssimo tempo, eu era a mais avançada, e sentia que treinar como o coronel era como se eu fosse um frasco vazio e ele despejasse o conhecimento de uma forma fluída como água. Treinamento intenso todo dia das seis da manhã até ás dez da noite. Embora muitas vezes eu sentisse uma imensa fadiga mental, os treinamentos de luta eram os mais exaustivos.
“Vamos Liesl, tenta me acertar de novo. Lembra bem do que ensinei há alguns minutos, certo? Vem com tudo, menina!”, ordenou Briegel, mas francamente, meu corpo parecia não me responder mais. Tudo estava dolorido, e o coronel não me dava uma folga nem pela minha idade, menos ainda por ser uma garota.
O fato é que por mais que ele pedisse para eu tentar acertar um soco nele, eu não tinha mais quase nenhuma força para fazê-lo.
“Opa, Liesl, acho que é melhor tirarmos uma folga amanhã”, propôs Briegel, vendo o cansaço de Liesl durante os treinos, “Você quase não descansa, realmente você anda bem compenetrada. Mas o descanso faz parte do aprendizado. Não precisa me provar que não tem determinação. Eu mais do que ninguém consigo perceber isso!”.
Mas não, eu não queria! Porém nem força pra responder ele eu tinha naquele momento. Ocupar minha cabeça estava me ajudando a tentar eliminar aquele sentimento errado de me apaixonar por um homem muito mais velho que eu. Enquanto treinávamos não era para mim o homem que eu tinha um interesse amoroso. Ali eu o via como meu mestre. O problema eram nesses momentos que meu corpo não respondia e ele mostrava esse aspecto humano dele que me ganhava a cada momento mais e mais espaço no meu coração. O que eu senti depois que ele disse isso foi mais forte que eu, e eu praticamente caí desmaiada de cansaço nos braços dele. Eu estava exausta e o dia seguinte teríamos uma das poucas folgas nesses quase dois anos de treinamento que só estavam começando.
“Papai, você tá pegando muito pesado com a coitada da Liesl!”, reprimiu fortemente Alice, “Olha como ela emagreceu! Você não pode simplesmente fazer dela sua discípula nessa rotina espartana! Não tem ser humano que suporte isso!”.
Eu não sabia que a Alice tomaria minhas dores e me defenderia. Minha vontade era de contar pra ela a verdade: era eu quem estava forçando a barra e querendo fazer um treinamento mais árduo, e não o coronel. Mas simplesmente ela não me deixava falar, como se estivesse realmente tentando me defender.
“Mas filha, eu juro que é o que a Liesl quer!”, explicou Briegel, expressando um certo medo da filha, “E ela não emagreceu. Isso tudo é músculo! Olha o braço da menina, tá super definido!”.
Alice nessa hora pressionou com os dedos o bíceps de Liesl. Realmente era duro, parecia que era apenas osso.
“Por deus, como você tá forte!”, disse Alice, baixinho, como se não acreditasse, “Ainda assim, ela é uma menina! Ela está crescendo! Já tá quase mais alta que eu, mas ainda precisa crescer um pouco!”.
O coronel riu alto. No fundo achava fofo aquela preocupação de Alice com a sua aprendiz.
“Viu só que furada você me jogou, Liesl? Vamos fazer uma folga por semana, religiosamente, a partir de agora, sim? Deu pra ter uma noção de como a Alice fica quando fica braba, certo? Não me faça ela me expulsar de casa!”.
Na noite daquele dia eu subi no quarto de Alice para bater papo, quando entrei a vi muito produzida e lembrei que ela havia dito que ia sair. Abri um pouquinho a porta e tão rapidamente que a vi se arrumando, fechei a porta e saí de mansinho.
“Liesl, espera!”, perguntou Alice, que havia percebido que eu havia aberto a porta, “Tudo bem? Quer falar algo?”.
“Ah, não, desculpa! Pensei que você ia ficar em casa, subi só pra jogar conversa fora. Esqueci que você tinha dito que ia sair”, explicou Liesl, sem jeito, “Max vai vir te buscar?”.
“Ei, eu tenho uns minutinhos! Vem cá, tô terminando meu cabelo!”, disse Alice, convidando Liesl para o quarto. Ao entrar, Alice foi até sua penteadeira, onde sua peruca favorita a aguardava, sendo arrumada: “Precisava dar uma penteada na minha peruca. Max fala que eu devia deixar meu cabelo crescer, mas não tem nenhum produto pra mulheres com cabelos crespo. E tá cada vez mais complicado comprar coisas dos Estados Unidos por aqui”.
“Sente falta de deixar seu cabelo verdadeiro crescer?”, perguntei.
“Claro que eu tenho! Puxa, eu queria tanto! Cabelo é uma coisa tão forte para nós mulheres, não é mesmo? Espero que surjam mesmo cosméticos para pessoas negras. Mas acho que antes de termos cosméticos para nós, as pessoas no mínimo deviam nos ver como humanos também. Não importa de que lugar seja, negros são nunca bem vistos pela sociedade”, desabafou Alice, colocando a peruca.
“Alice, como você e o Max se conheceram?”, perguntou Liesl, mudando de assunto completamente, subitamente. Alice virou pra trás com os olhos arregalados, não esperava essa pergunta. Voltou ao espelho e continuou ajeitando sua peruca.
“Nos conhecemos há um ano mais ou menos”, disse Alice, colocando lindos brincos de argola nas orelhas, “Papai foi convidado para uma festa organizada por uns empresários. Obviamente só me deixaram entrar porque eu estava com papai. No começo eu não dei muita atenção pra ele não. Esses alemães aí vivem dizendo que querem algo com a gente, mas eles conseguem colocar as roupas de volta tão rápido quanto conseguem tirar”.
“Eita. E quando começaram a namorar?”, perguntei.
“Pedi a opinião do papai. Ele gostou bastante dele! E eu sabia que o papai levantaria a ficha inteira dele, então fiquei super tranquila quando ele disse que ele era uma pessoa limpa!”, disse Alice, rindo alto, “Mas como eu já era crescida, e já havia tido alguns namorados, papai sempre confiou em mim. Max fez amizade com o papai e volta e meia aparecia em casa, a gente ficava conversando e aí as coisas foram acontecendo. Quando vi, já estávamos nos beijando! Foi tudo muito rápido! Algo no meu coração dizia que era ele, sabe?”.
Liesl nessa hora ficou vermelha. Será que era isso que o coração dela dizia? Que Roland Briegel era o homem destinado para ela?
“Menina, você tá um pimentão!”, brincou Alice, sem nem ter ideia do interesse amoroso.
“Mas como é que foi que você saiu da amizade? Você não foi interessada nele desde a primeira vista. Como surgiu a faísca que culminou na paixão?”, perguntou Liesl.
Alice ouviu a campainha, era Max que veio busca-la para jantar. Totalmente arrumada e segurando um grosso casaco de frio, Alice viu que Liesl não a deixaria ir se ela não lhe desse uma resposta convincente.
“Acho que essa faísca do amor nasce da aceitação”, disse Alice, explicando, “A gente conhece a pessoa, e vê que ele é um bom homem. Aí depois a gente começa a conhecer melhor pra ver se temos segurança. Acho que a próxima fase é que a gente acaba enganando o nosso próprio coração, usando nossos pensamentos”.
“Hã? Como assim?”.
“Eu já tinha uma atração. Max é bonito, bem educado, de uma excelente família e uma ótima pessoa. Eu não ligo pro dinheiro, queria uma pessoa para passar a vida, e o Max trabalha igual um condenado pra ganhar nada”, disse Alice, num tempo em que o próprio Max, apesar de ser empresário, ainda estava muito longe de ter algum dinheiro, “Mas um dia eu pensei que seria interessante ter um relacionamento com ele. Pensei que seria bom ter ele como meu namorado. Pensei que seria bom ter ele ao meu lado, como alguém especial”.
“Pensou na possiblidade. Entendi. E então?”.
“Quando fui ver, vi que estava aceitando cada uma das coisas. Havia pregado uma peça no meu coração!”, disse Alice, rindo, como se aquilo fosse engraçado, “Foi nesse momento que o sentimento de amor nasceu. Ás vezes as pessoas ficam dias, semanas, meses apenas com a pessoa na cabeça. Ficamos momentos com a pessoa e parece que a vida ganha cores, tudo fica alegre e muito feliz. A gente fica triste quando se despede e conta os dias pra se ver de novo. Eu não fiquei muito tempo nessa fase, foi muito recíproco e quando fui ver já estávamos nos beijando, acredita? Mas se pudesse dizer onde foi o momento que nasceu a primeira fagulha de amor foi exatamente nesse momento que pensei que poderíamos ser algo mais do que amigos. A partir daí comecei a sonhar, e hoje, estamos realizando tudo isso!”.
Eu confirmei com a cabeça, entendendo a explicação de Alice. Vi minha amiga descendo as escadas e da janela vi os dois se abraçando e girando juntos tocando os lábios igual um casal apaixonado. Lembro que até hoje guardo com carinho essa lembrança, pois essa memória ficou ainda mais especial quando horas mais tarde Alice voltou pra casa e disse que Max a havia pedido em casamento no jantar daquela noite.
Eu sabia que a partir daquele momento eu estava em uma encruzilhada. Não tem como recuar passos quando estamos apaixonadas por alguém. Por mais que tentamos controlar o sentimento, ele vai cada vez mais crescendo e crescendo dentro da gente. Por mais que tente não pensar, nos pegamos pensando. Por mais que tente não olhar, nos pegamos olhando. Por mais que tente não nutrir sentimentos, acabamos nutrindo.
O ponto de mudança nasceu em um sonho.
Sonhos sempre são estranhos. Estávamos em uma fila, não era uma fila muito grande, mas estávamos um de mãos dadas com o outro.
“Olha amor, tá chegando nossa vez logo logo!”, disse Briegel, soltando da minha mão e me abraçando de lado.
Tudo parecia um evento, estávamos num edifício, num colégio antigo, sei lá. Mas era tão bom! Eu não apenas sentia a mão dele na minha cintura, mas também podia sentir até um pouco do coração dele quando colocava meu ouvido no peito dele.
“Sabe, é tão bom ficar com você assim. Mesmo uma fila chata dessas fica até legal”, eu disse pra ele, no sonho.
A fila não andava. Ou melhor, andava um pouco, mas eu não sabia pra quê, nem ao menos o que teria no final dela. O que importava era que eu tinha ele do meu lado, do jeito que eu sempre imaginei, do jeito que eu sempre sonhei. Não importava quanto tempo a gente passaria em pé. O que importava era que ele estava ali do meu lado, abraçadinhos, como um casal.
“É verdade. Eu te amo muito, sabia?”, disse Briegel. E nessa hora ele me beijou, no sonho. A sensação foi tão boa que eu despertei na minha cama. E vi que foi apenas um sonho.
Mas eu não queria que aquilo terminasse. Virei o travesseiro e voltei a dormir. E novamente entrei naquele lindo sonho, e conseguimos desfrutar ainda mais daquela fila interminável, mas um do ladinho do outro, como sempre imaginei. E se você não existisse, diga-me, porque eu existiria? Lembro que já de volta ao nosso sonho ficamos abraçadinhos, sentia o calor dele junto ao meu. Não havia erotismo, não havia sacanagem, somente havia um amor puro e inocente, de uma simples adolescente que conhecia esse sentimento pela primeira vez.
A tal da faísca do amor havia sofrido a ignição dentro do meu coração.
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