Amber #94 - O preço do descuido.

Era o homem loiro! Eunmi reconheceria aquele rosto de longe, era extremamente marcante e único! Mas o que raios ele estava fazendo ali, sequestrando Chou Xuefeng? O que é que ele queria?

Eunmi tomou um susto a ponto de a chocar tanto que ela não conseguia mais avançar no meio da viela, por não acreditar naquilo que ela via. O homem loiro então aproveitou e tomou a dianteira, se aproveitando da situação da coreana. Então subitamente ela lembrou da missão, que Chou Xuefeng deveria ser pego a qualquer custo, e voltou a correr atrás deles, dando o máximo de si. Ao longe viu o homem loiro com o fotógrafo chinês virar na esquerda em uma esquina e ela o seguiu.

Mas quando cruzou a esquina percebeu que não adiantaria nada essa perseguição toda. E a frustração veio como um imenso balde de água fria: Era uma rua com uma bifurcação. E na saída da esquerda ainda lá na frente se dividia em mais duas, e não havia mais sinal de ninguém. Nem do homem loiro, muito menos de Chou Xuefeng.

Completamente frustrada por ter falhado numa missão tão simples por culpa de um descuido besta, Eunmi voltou o caminho. A explosão havia acontecido e ela devia correr para ajudar Tsai e os outros. Seu coração estava a mil, não apenas por conta da corrida, mas também refletindo a dificuldade que seria encarar todos, que contavam tanto com ela.

Entretanto, quando ela cruzou o início da viela, caindo na rua da casa de Chou Xuefeng, ouviu tiros e explosões acontecendo. Subiu num muro ali mesmo e esticou o pescoço para enxergar.

“Japoneses?!”, disse Eunmi pra si mesma, sem acreditar.

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“EMBOSCADA!! É UMA EMBOSCADA!!”.

Schultz e Ho se assustaram com o grito repentino de Tsai. Ao virarem o rosto viram Tsai correndo para a entrada da casa. Ho rapidamente a seguiu sem hesitar, e Schultz, ainda assustado demorou a reagir. Cruzou a porta e voltou o olhar para o cômodo onde Tsai estava.

Esses segundos foram valiosos. Como Schultz, uma pessoa tão experiente, tão segura de suas habilidades desperdiçaria esses segundos que cobrariam seu preço instantes depois? Talvez o que existia era o fator humano. Em sua cabeça inconscientemente havia a missão de “proteger Tsai” que Li havia dado. Na sua mente havia uma certeza de que se algo fosse acontecer com alguém, seria Schultz quem seria o defensor. Seria ele o “homem” que iria até o salvamento. Seria ele quem iria fazer a diferença.

Mas o destino é de pregar essas peças. Dizem que essas coisas acontecem com a gente exatamente para questionarmos nossos paradigmas, nossas concepções de mundo, aquilo que achamos que é o correto, o fluxo natural das coisas.

Merda! Ela disse ‘emboscada’? Cacete, deve ser uma BOMBA!, pensou Schultz, antes de sair enfim correndo de lá.

Mas ao cruzar a entrada da casa Schultz ouviu uma explosão imensa. Seus ouvidos ficaram tapados, emitindo um zunido característico, enquanto sua visão ia ficando turva por conta dos detritos que subiam do chão, como se lançados ao longe por um sopro divino. Uma força invisível o jogou pelos ares, que, nervoso, não sabia exatamente como cair e jogou o peso do corpo todo pra frente, sendo lançado de ponta-cabeça contra a mureta da casa de Chou Xuefeng.

Schultz bateu as costas com tudo no muro e caiu no chão, inconsciente.

Tudo era escuro. Ao longe Schultz ouvia uns sons abafados, pareciam estalos. Mas tinha uma cadência alta, logo não deviam ser estalos. Parecia que estavam estourando a metros de distância, o jeito era abrir os olhos.

Por mais que tentasse abrir os olhos, eles não respondiam. Schultz fazia força, e cada vez mais os sons de estalos iam ficando mais e mais altos. Os estalos se transformavam em rojões. E os rojões rapidamente ele distinguiu que eram tiros. A escuridão ainda dominava seus olhos, não conseguia se mexer, não conseguia abrir os olhos. Aquela situação era agonizante por si só, mas era uma forma que o corpo humano havia encontrado para se proteger depois de um choque tão forte.

“Rápido!! Gongzhu, entra lá e pega o Schultz que eu te dou cobertura!!”.

Schultz se perguntava o que havia acontecido? Será que ele havia morrido? Suas costas doíam horrores, e sua cabeça latejava de dor. Ele parecia que conseguia “ouvir” a dor que pulsava na sua cabeça, uma dor enorme, muito chata e insistente.

Conseguiu então abrir uma frestinha com seus olhos. E não conseguia ver muita coisa. Via algo brilhante, laranja, e percebeu pelo calor que emanava que deviam ser chamas. Vários feixes de luz cruzavam o céu como estrelas cadentes. Ou ao menos era isso o que parecia no meio de todo aquele imenso mundo desfocado.

“Schultz, Schultz! Consegue me ouvir?”.

Essa voz ele reconheceria em qualquer lugar. Era Tsai. Ela estava na sua frente, não como a princesa que devia ser resgatada, mas como uma verdadeira cavaleira resgatando ele, que naquele momento era mais o “príncipe em perigo” da estória do que o “salvador da princesa”. No fundo do seu coração se perguntava porque raios não saiu correndo como todo mundo, achando que era invencível? Agora nem ele sabia se ele estava vivo. E se estivesse vivo, estaria bem? Mas Schultz queria ainda mostrar que estava tudo bem. Mesmo que seu corpo não reagisse a toda a força que empregava tentando se erguer, tentando fazer pose e mostrar que estava tudo nos eixos, Schultz respondeu à Tsai:

“Claro! Nunca estive melhor!”.

E do nada aquele desfoque ficou nítido. E nesse momento viu o rosto que a casa em chamas e destruída de Chou Xuefeng iluminava. Balas passavam voando por cima, gritos de soldados e explosões de granadas de fragmentação, mas nada disso importava. Era o rosto de Tsai Louan no centro disso tudo, fazendo algo que raramente ele a via fazendo: ela estava sorrindo.

No fundo Tsai não acreditava que mesmo naquele estado todo machucado e praticamente inconsciente Schultz conseguia ainda fazer graça num momento daqueles. Ela jogou o braço do alemão sobre seu ombro e sem maiores dificuldades o ergueu, como um soldado que salva o outro do meio da guerra, o carregando. Era impressionante o quão Tsai era forte.

Conforme Tsai ia levando Schultz para fora da casa, ele começava a recobrar completamente os sentidos. Tudo ainda estava doendo horrores, e ele lutava para continuar acordado e lúcido. Mas se sentia bem sendo carregado por Tsai. Ela era forte. E talvez muitos homens se sentiriam mal por acabar dependendo de uma mulher para salva-lo, mas naquele momento Schultz se sentia muito bem. Com o rosto sobre seu ombro ele percebeu o cheirinho único que ela tinha. Uma mulher tão capaz de se defender, e até mesmo defender os outros, tinha um cheiro tão doce...

E nesse momento Schultz ficou se perguntando o que era aquilo? Schultz não conseguia sentir amor por mulheres. Mulheres eram apenas para sexo, e nada mais. Achava que havia sentido amor por Ingrid Müller, mas aquele amor que ele dizia sentir, apesar de parecer imenso, era um amor que doía.

Com Tsai era diferente. Era como ser carregado no colo. E que essa sensação era a melhor do mundo. Era como algo que o preenchesse por completo em sua alma. Era uma coisa que o fazia contar os minutos para a encontrar de novo, mesmo que tivesse acontecido há segundos atrás, pois a presença dela era repleta de paz. Uma paz o que fazia sentir como se ele quisesse parar tudo e ficar apenas ali, nem que fosse sentado do lado dela, sem fazer nada. Mas que esse gesto tão pequeno e sem segundas intenções o faria subir aos céus de felicidade, ao mesmo tempo que fincava os pés no chão para não se perder no meio daquela doce realidade.

“Ah, tiros! Schultz, pegue a arma no meu coldre! Você consegue atirar?”, gritou Tsai. E Schultz enfim voltou para a realidade. Viu o coldre na cintura de Tsai e com seu outro braço pegou a arma. Quando Tsai percebeu isso virou junto com Schultz em direção dos soldados inimigos e Schultz começou a abatê-los, na medida que Tsai tentava avançar carregando Schultz para um local seguro.

“Isso, Schultz, vai!!”, gritava Tsai no meio das balas, caminhando para um local seguro. Mas as balas havia acabado, e ainda tinham uns dois soldados vindo na direção deles.

“Merda!! Preciso recarregar, Tsai!!”, gritou Schultz, enquanto os soldados cada vez mais se aproximavam. Tsai levou Schultz para trás de uma parede de uma casa na esquina e o deixou lá sentado no chão. Ela pegou a pistola e trocou o pente rapidamente, engatilhando novamente. De súbito os tiros que continuavam a ser disparados, pararam.

“Hã? Será que foram embora?”, Tsai pensou alto para Schultz. Ele ainda estava todo dolorido, era difícil responder, mas ele fez um gesto de que não sabia.

E então um soldado japonês apareceu na frente deles. Foi tudo muito rápido, ele nem precisou mirar muito, simplesmente apontou sua submetralhadora para Tsai pronto para disparar, e barulhos de tiro foram ouvidos.

Porém os tiros definitivamente não eram do soldado japonês, pois foram ouvidos de trás deles. O soldado japonês caiu ferido no chão, soltando sua arma, como um saco de areia.

“Minha nossa, deu tempo!”, disse Li, atrás deles, na outra esquina da casa em que eles estavam se protegendo. Ela estava sorrindo com uma pistola na mão, saindo ainda fumaça do cano. Ela parecia ter caído do céu para salva-los.

E então, de súbito, mais barulhos de tiros foram ouvidos de onde Li estava. Ela correu, mas foi possível ver sangue flutuando no ar enquanto ela soltava alguns gritos de dor. Li começou a correr então na direção de Tsai, que ao ver sua amiga sendo alvejada, sacou a pistola e deu três precisos tiros na cabeça do oficial japonês que havia surpreendido Li, dando a volta pelo outro lado e a alvejado pelas costas.

Os dois últimos soldados haviam se separado, um foi para frente de Tsai e o outro foi lhe dar retaguarda pelos fundos, na rua de trás. Porém Li defendeu Tsai, aparecendo e alvejando o que veio pela frente, mas não contava que apareceria outro vindo do beco de onde ela estava e que ainda por cima de tudo atiraria contra ela sem hesitar, mesmo sendo abatido momentos depois de disparar por Tsai.

Li estava caída no chão, inconsciente.

“Chou!! Chou!! Venha cá logo, por favor!!”, gritava Tsai, enquanto ia até Li. Chou apareceu alguns segundos depois e Schultz foi levado por Ho e Chen.

Eunmi foi a última a chegar e simplesmente ficou sem palavras. Por conta do seu descuido o preço a se pagar seria a vida de Li, que se sacrificou para salvar Tsai e Schultz da morte iminente. A coreana olhava para aquela cena sem acreditar, sentindo um peso enorme no seu peito. Agora tudo estava perdido.

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