Amber #140 - Suspicious minds (17) - ...outro do caçador.
Com a localização de Chang Ching-chong dada por Aomame, Tsai começa a subir a escadaria com a estátua do peixe. Não era uma escultura muito grande, mas se destacava, perto do corrimão da escada. Era uma truta. Ela tinha um formato bonito, toda curvada, ascendente no ar, como se saltasse da base da escultura.
Não tinha como Tsai perder de vista onde estava Chang Ching-chong. Aquele rosto definitivamente era conhecido. O que não fazia sentido algum em sua cabeça era por que razão ela tinha sonhado justamente com aquele homem na última noite? Tantos rostos, tantas pessoas, mas ela viu justamente o rosto de Chang Ching-chong. Será que ela já o conhecia e tinha esquecido? Será que foi uma memória que brotou no seu inconsciente? Será que ela tinha algum poder místico que ela desconhecia?
Nenhuma das opções Tsai descartava, mas esse não era o momento de pensar nisso. Ela tinha uma missão, e era imperativo avançar. Fingindo estar apreciando a arte da estátua do peixe, Tsai observava por onde Chang Ching-chong andava. Falastrão, com as mãos na cintura, praticamente pegando no traseiro daquelas duas mulheres, e o charuto soltando uma fumaça, este agia como uma seta que apontava onde ele estava.
O corredor que ficava no final da escadaria tinha muitas janelas. Janelas que davam para a rua. A chinesa praticamente se esquecia de respirar, de tão concentrada que estava. Passos cuidadosos, evitando emitir sons, tudo ali era pensado e arquitetado para conseguir encurralar Chang Ching-chong em algum lugar e capturá-lo. Era a sua chance. Era ali e agora.
E então um flash, algo como se fosse um raio, um clarão imenso seguido de um barulho forte chamou a atenção de Tsai. Era um tiro!
Rapidamente Tsai se virou e olhou pela janela. Havia um homem ali com um rifle, que havia acabado de disparar. As pessoas na festa que passavam pelo corredor também viram e ouviram o barulho, e movidas pela curiosidade se colocaram na frente da janela.
“Ho!! Aguente firme, Ho!!”.
Apesar das janelas estarem cerradas, Tsai ouviu o grito. E, como a boa líder que era, reconheceu no exato momento a voz de Chou. Nesse momento seu coração parou. Ela procurou o tranco da janela, puxando as pessoas curiosas para abrirem o caminho até o vidro, e abriu. Um vento gélido de dezembro entrou pela janela, a deixando arrepiada. Tsai esticou o pescoço e nesse momento ouviu um outro disparo. Dessa vez um disparo longe, vindo da direção de onde o atirador havia mirado.
Esse disparo o acertou em cheio, o derrubando no chão no ato. As pessoas dentro da mansão se abaixaram de susto, temendo um tiroteio, mas Tsai reconhecia aquele barulho. Era o som da Short Magazine Lee-Enfield (SMLE) que a Li usava.
Mas ainda assim seu coração palpitava, cheio de apreensão. Se a Chou gritou para que a Ho aguentasse firme, era porque algo havia acontecido. E ter ouvido o tiro da arma da Li abatendo o cara na sua frente talvez a deixasse mais tranquila, pois havia acontecido um contra-ataque. Ainda assim, Tsai ficou com um dilema imenso na sua frente: abandonar tudo e ir ver Ho, ou seguir em frente e pegar Chang Ching-chong?
Foi tanto tempo presa em seus devaneios que, quando olhou para trás, havia perdido Chang Ching-chong de vista.
------
Do outro lado da mansão, Schultz estava sem ar. Um risco de suor descia pela sua orelha, um suor gelado, que deixava um rastro cortante a cada centímetro que descia. Sua visão estava plena, ele enxergava perfeitamente quem estava na sua frente. A questão era que, mesmo diante daquela realidade ao vivo, tudo aquilo tinha uma atmosfera de um sonho. De algo improvável que não fazia parte da realidade.
Não havia dúvidas que era mesmo sua ex-namorada, Ingrid Müller. A questão era saber o que ela fazia ali.
“Sim, sou eu sim. Não foi tão difícil te achar, Schultz”, disse Ingrid, guardando a pistola de volta no coldre.
Quando Ingrid fez o movimento, o olhar de Schultz foi atraído para o chão, onde o corpo do falso Chang Ching-chong jazia. Aquela cena também o aterrorizava, e uma nova dúvida surgiu em sua mente:
“Mas Ingrid, o que foi isso?”, disse Schultz, que nem sabia mais o que perguntar, se a questionava do motivo dela estar na China, ou a razão de ter matado aquele homem, “O que você tinha na cabeça, você o matou com tiros à queima roupa!”.
“Pergunta certa, e a resposta é: este é o errado”, disse Ingrid, com suas frases estranhamente refinadas, apontando para o corpo. Porém Schultz estava tão em choque com tudo aquilo, mal se aguentando em pé, que nenhuma palavra que Ingrid dizia parecia fazer sentido.
“Hã? O quê?”, perguntou Schultz, e Ingrid chutou o cadáver para o lado para passar. O som do seu salto alto tocando no chão cada vez mais próximo de Schultz o arrepiava a cada passada.
“Você estava preocupado com ele? Esse homem tentou te matar, eu ouvi tudo”, disse Ingrid, enquanto caminhava em direção a Schultz.
“Ingrid, esse cara era um ninguém! Foi uma pessoa praticamente, sei lá, que acharam na rua e perguntaram se ele faria o papel de outra pessoa por alguns trocados!”, disse Schultz, gesticulando, tentando trazer algum senso na cabeça de Müller, “Você matou um inocente com uma frieza inimaginável! Você tem noção do que acabou de fazer?”.
Schultz em nenhum momento olhou para Müller. Ele não conseguia conceber a ideia que a mulher que ele amou há muito tempo teria a audácia de cometer um assassinato assim, sem o menor arrependimento. Não foi um acidente, não tinha como ela argumentar isso. Mas o que ela argumentaria?
“Schultz, querido, nunca entendi o motivo de você ter tanta empatia com pessoas que nem merecem ser categorizados como seres humanos”, disse Ingrid
Os sons dos passos de Ingrid eram quase que uma sinfonia hipnótica. E ainda preso em uma espécie de transe, olhando para os olhos do pobre chinês morto já sem vida, Schultz não percebeu que Ingrid Müller já estava na sua frente. Quando percebeu que ela estava lá, tomou um susto, recuou um passo ao ver aqueles olhos azuis dela o fitando curiosa, debaixo daquelas madeixas louras, penteadas num coque, colocado dentro do quepe da Gestapo.
“Sabe quem são eles? São piores que judeus. São chineses. São animais que não merecem coisas que a civilização possui, como luxo, saúde, ou sei lá, democracia”, disse Ingrid.
“Democracia? Mas você apoia Hitler!”, disse Schultz, elevando a voz.
“Hitler foi eleito democraticamente, e o povo deu todo o poder a ele como Führer, Schultz! Não vem de novo com essa, querido! Se o povo quisesse, o povo tiraria Hitler do poder!”.
Era sempre o mesmo argumento que Ingrid dava, defendendo o regime do fascista. Schultz virou o olhar para cima, pois era o mesmo argumento que Ingrid dizia, desde a época que eles namoravam. E ela acreditava tão piamente nisso, que não havia discussão. No mundo de Ingrid Müller a verdade era que Adolf Hitler foi eleito pelo povo, e que o povo deu a ele poderes absolutos, e que o mesmo povo teria força para tirá-lo de lá caso ele fizesse algo errado. Ainda era 1939 e Adolf Hitler já havia feito coisas suficientes para que qualquer sociedade sã o condenasse. Mas isso, obviamente, para Ingrid era nada demais. Afinal ela já havia tido o cérebro lavado, e isso a fazia apoiar mesmo coisas que não mereciam nunca ser apoiadas, como as doutrinas da Nacional-socialista.
“Ah, Ingrid, não vem com esse papo de novo. Não, chega, não quero mais te ouvir”, disse Schultz, a empurrando levemente para que ela lhe desse passagem, mas nesse momento Müller fez uma coisa com Schultz. Uma coisa que o deixou arrepiado dos pés à cabeça.
“Querido, espera. Me ouve, por favor”, disse Ingrid, e nesse momento ela tocou a mão do alemão.
Quando Schultz percebeu o toque de Ingrid, ele sentiu aquela suavidade e o calor único que ela emitia. E uma memória lhe saltou na cabeça. A memória de quando faziam amor. Sempre que Schultz estava por cima, ele entrelaçava os dedos na mão de Ingrid, e sentia que naquele contato das mãos, todo aquele toque mágico, despertava um preenchimento em seu coração de um afeto imenso, que era imenso perto do maior dos orgasmos. E somente a mão dela tinha isso. E aquele par de mãos o deixava completamente fora de si.
Quando Schultz se virou para olhar para Ingrid, com uma tímida tentativa de tentar se soltar do que toque dela, ela ficou na ponta dos pés e deu um beijinho carinhoso na sua bochecha, e depois se debruçou no ombro do alemão.
“Querido, deixa isso tudo pra lá, você já esteve tempo demais longe de casa. Sua casa é conosco, na Europa, na Alemanha”, disse Ingrid, com uma voz doce, quase que no cantinho do ouvido de Schultz, “Volta comigo?”.
Não tinha como Tsai perder de vista onde estava Chang Ching-chong. Aquele rosto definitivamente era conhecido. O que não fazia sentido algum em sua cabeça era por que razão ela tinha sonhado justamente com aquele homem na última noite? Tantos rostos, tantas pessoas, mas ela viu justamente o rosto de Chang Ching-chong. Será que ela já o conhecia e tinha esquecido? Será que foi uma memória que brotou no seu inconsciente? Será que ela tinha algum poder místico que ela desconhecia?
Nenhuma das opções Tsai descartava, mas esse não era o momento de pensar nisso. Ela tinha uma missão, e era imperativo avançar. Fingindo estar apreciando a arte da estátua do peixe, Tsai observava por onde Chang Ching-chong andava. Falastrão, com as mãos na cintura, praticamente pegando no traseiro daquelas duas mulheres, e o charuto soltando uma fumaça, este agia como uma seta que apontava onde ele estava.
O corredor que ficava no final da escadaria tinha muitas janelas. Janelas que davam para a rua. A chinesa praticamente se esquecia de respirar, de tão concentrada que estava. Passos cuidadosos, evitando emitir sons, tudo ali era pensado e arquitetado para conseguir encurralar Chang Ching-chong em algum lugar e capturá-lo. Era a sua chance. Era ali e agora.
E então um flash, algo como se fosse um raio, um clarão imenso seguido de um barulho forte chamou a atenção de Tsai. Era um tiro!
Rapidamente Tsai se virou e olhou pela janela. Havia um homem ali com um rifle, que havia acabado de disparar. As pessoas na festa que passavam pelo corredor também viram e ouviram o barulho, e movidas pela curiosidade se colocaram na frente da janela.
“Ho!! Aguente firme, Ho!!”.
Apesar das janelas estarem cerradas, Tsai ouviu o grito. E, como a boa líder que era, reconheceu no exato momento a voz de Chou. Nesse momento seu coração parou. Ela procurou o tranco da janela, puxando as pessoas curiosas para abrirem o caminho até o vidro, e abriu. Um vento gélido de dezembro entrou pela janela, a deixando arrepiada. Tsai esticou o pescoço e nesse momento ouviu um outro disparo. Dessa vez um disparo longe, vindo da direção de onde o atirador havia mirado.
Esse disparo o acertou em cheio, o derrubando no chão no ato. As pessoas dentro da mansão se abaixaram de susto, temendo um tiroteio, mas Tsai reconhecia aquele barulho. Era o som da Short Magazine Lee-Enfield (SMLE) que a Li usava.
Mas ainda assim seu coração palpitava, cheio de apreensão. Se a Chou gritou para que a Ho aguentasse firme, era porque algo havia acontecido. E ter ouvido o tiro da arma da Li abatendo o cara na sua frente talvez a deixasse mais tranquila, pois havia acontecido um contra-ataque. Ainda assim, Tsai ficou com um dilema imenso na sua frente: abandonar tudo e ir ver Ho, ou seguir em frente e pegar Chang Ching-chong?
Foi tanto tempo presa em seus devaneios que, quando olhou para trás, havia perdido Chang Ching-chong de vista.
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Do outro lado da mansão, Schultz estava sem ar. Um risco de suor descia pela sua orelha, um suor gelado, que deixava um rastro cortante a cada centímetro que descia. Sua visão estava plena, ele enxergava perfeitamente quem estava na sua frente. A questão era que, mesmo diante daquela realidade ao vivo, tudo aquilo tinha uma atmosfera de um sonho. De algo improvável que não fazia parte da realidade.
Não havia dúvidas que era mesmo sua ex-namorada, Ingrid Müller. A questão era saber o que ela fazia ali.
“Sim, sou eu sim. Não foi tão difícil te achar, Schultz”, disse Ingrid, guardando a pistola de volta no coldre.
Quando Ingrid fez o movimento, o olhar de Schultz foi atraído para o chão, onde o corpo do falso Chang Ching-chong jazia. Aquela cena também o aterrorizava, e uma nova dúvida surgiu em sua mente:
“Mas Ingrid, o que foi isso?”, disse Schultz, que nem sabia mais o que perguntar, se a questionava do motivo dela estar na China, ou a razão de ter matado aquele homem, “O que você tinha na cabeça, você o matou com tiros à queima roupa!”.
“Pergunta certa, e a resposta é: este é o errado”, disse Ingrid, com suas frases estranhamente refinadas, apontando para o corpo. Porém Schultz estava tão em choque com tudo aquilo, mal se aguentando em pé, que nenhuma palavra que Ingrid dizia parecia fazer sentido.
“Hã? O quê?”, perguntou Schultz, e Ingrid chutou o cadáver para o lado para passar. O som do seu salto alto tocando no chão cada vez mais próximo de Schultz o arrepiava a cada passada.
“Você estava preocupado com ele? Esse homem tentou te matar, eu ouvi tudo”, disse Ingrid, enquanto caminhava em direção a Schultz.
“Ingrid, esse cara era um ninguém! Foi uma pessoa praticamente, sei lá, que acharam na rua e perguntaram se ele faria o papel de outra pessoa por alguns trocados!”, disse Schultz, gesticulando, tentando trazer algum senso na cabeça de Müller, “Você matou um inocente com uma frieza inimaginável! Você tem noção do que acabou de fazer?”.
Schultz em nenhum momento olhou para Müller. Ele não conseguia conceber a ideia que a mulher que ele amou há muito tempo teria a audácia de cometer um assassinato assim, sem o menor arrependimento. Não foi um acidente, não tinha como ela argumentar isso. Mas o que ela argumentaria?
“Schultz, querido, nunca entendi o motivo de você ter tanta empatia com pessoas que nem merecem ser categorizados como seres humanos”, disse Ingrid
Os sons dos passos de Ingrid eram quase que uma sinfonia hipnótica. E ainda preso em uma espécie de transe, olhando para os olhos do pobre chinês morto já sem vida, Schultz não percebeu que Ingrid Müller já estava na sua frente. Quando percebeu que ela estava lá, tomou um susto, recuou um passo ao ver aqueles olhos azuis dela o fitando curiosa, debaixo daquelas madeixas louras, penteadas num coque, colocado dentro do quepe da Gestapo.
“Sabe quem são eles? São piores que judeus. São chineses. São animais que não merecem coisas que a civilização possui, como luxo, saúde, ou sei lá, democracia”, disse Ingrid.
“Democracia? Mas você apoia Hitler!”, disse Schultz, elevando a voz.
“Hitler foi eleito democraticamente, e o povo deu todo o poder a ele como Führer, Schultz! Não vem de novo com essa, querido! Se o povo quisesse, o povo tiraria Hitler do poder!”.
Era sempre o mesmo argumento que Ingrid dava, defendendo o regime do fascista. Schultz virou o olhar para cima, pois era o mesmo argumento que Ingrid dizia, desde a época que eles namoravam. E ela acreditava tão piamente nisso, que não havia discussão. No mundo de Ingrid Müller a verdade era que Adolf Hitler foi eleito pelo povo, e que o povo deu a ele poderes absolutos, e que o mesmo povo teria força para tirá-lo de lá caso ele fizesse algo errado. Ainda era 1939 e Adolf Hitler já havia feito coisas suficientes para que qualquer sociedade sã o condenasse. Mas isso, obviamente, para Ingrid era nada demais. Afinal ela já havia tido o cérebro lavado, e isso a fazia apoiar mesmo coisas que não mereciam nunca ser apoiadas, como as doutrinas da Nacional-socialista.
“Ah, Ingrid, não vem com esse papo de novo. Não, chega, não quero mais te ouvir”, disse Schultz, a empurrando levemente para que ela lhe desse passagem, mas nesse momento Müller fez uma coisa com Schultz. Uma coisa que o deixou arrepiado dos pés à cabeça.
“Querido, espera. Me ouve, por favor”, disse Ingrid, e nesse momento ela tocou a mão do alemão.
Quando Schultz percebeu o toque de Ingrid, ele sentiu aquela suavidade e o calor único que ela emitia. E uma memória lhe saltou na cabeça. A memória de quando faziam amor. Sempre que Schultz estava por cima, ele entrelaçava os dedos na mão de Ingrid, e sentia que naquele contato das mãos, todo aquele toque mágico, despertava um preenchimento em seu coração de um afeto imenso, que era imenso perto do maior dos orgasmos. E somente a mão dela tinha isso. E aquele par de mãos o deixava completamente fora de si.
Quando Schultz se virou para olhar para Ingrid, com uma tímida tentativa de tentar se soltar do que toque dela, ela ficou na ponta dos pés e deu um beijinho carinhoso na sua bochecha, e depois se debruçou no ombro do alemão.
“Querido, deixa isso tudo pra lá, você já esteve tempo demais longe de casa. Sua casa é conosco, na Europa, na Alemanha”, disse Ingrid, com uma voz doce, quase que no cantinho do ouvido de Schultz, “Volta comigo?”.
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