Livros 2021 #2 - Léxico Familiar (1963)

Como parte da leitura de janeiro do clube do livro do Chicas & Dicas, tive a oportunidade de conhecer Léxico Familiar, da italiana Natalia Ginzburg. Um livro que achei muito cansativo de início: são muitos personagens e muitas passagens. Aparece um fulano aqui em uma passagem, e duas páginas a seguir outro sicrano que dura dois parágrafos, e no meio disso tudo está um pai de família rabugento que reclama de tudo, xinga todo mundo, e não consegue viver em paz.

Se com esse resumo já é confuso de se entender o livro, acho que reflete bem a confusão que é lê-lo de fato. De fato, sua leitura é bem arrastada, era aquele tipo de livro que eu falava pra mim mesmo: "Mas poxa vida, tenho que ler mesmo?".

Mas justiça seja feita: quando alguém explica bem, e explora os pontos do livro com suas profundidades, a gente deixa de detestar o livro. Por isso mesmo tenho muito a agradecer ao clube do livro que participo, pois ajudou a mudar completamente a minha concepção sobre essa obra.

O livro conta o dia-a-dia de uma família judia italiana nos tempos de Mussolini. Talvez essa descrição já nos dê uma impressão de que a obra seja como uma versão de "O diário de Anne Frank" temperado com bastante salsaretti. E embora durante muito tempo este tenha sido meu molho de tomate preferido (hoje os da Quero são bem melhores e baratos), o livro não tem todo o drama, o medo, a tensão e as lágrimas que Anne Frank causam.

Muito disso se dá pois o livro não foi escrito para ser um resumo chocante das brutalidades da Segunda Guerra. O livro é muito mais focado no dia-a-dia da família Levi (sobrenome de solteira da Natalia Ginzburg), mostrando o relacionamento que Beppino (ou Giuseppe) e Lídia tinham com os filhos (Gino, Mario, Alberto, Paola, e Natalia) vivendo nas montanhas de Turim, na Itália, enquanto o mundo queimava nos horrores do conflito que mudou o planeta.

Claro que eventualmente eles se mudam, diversas coisas vão acontecendo, filhos vão se casando, eles têm que se refugiar, conhecidos acabam morrendo nas mãos do governo, mas todas essas revelações do roteiro (ou spoilers) são o de menos. O esquema é ver a vida deles ali acontecendo, como memórias sendo resgatadas, com todos os bordões e manias que famílias possuem, seu linguajar particular, suas relações complexas, e ver tudo isso acontecendo é uma das joias do livro.

Outra joia acontece quando você enfim entende do que está sendo falado, e de quem estão falando. Por isso mesmo eu recomendo fortemente, se você eventualmente se propor a ler o livro: leia com bastante atenção o prefácio antes de começar a leitura e o posfácio quando terminar. São dois itens importantíssimos que ajudam você a aproveitar mais o livro, apresentando coisas e colocando pingos nos is.

Vou dar um exemplo:

Em uma passagem do livro (página 45) por exemplo, a Natalia comenta de um tal "Turati" que eles deram proteção durante um tempo pois ele estava sendo perseguido pelo governo. Quando eu li, passei batido, eu nem tinha ideia de quem era. Foi apenas no Clube do Livro que descobri que se tratava de Filippo Turati, um dos revolucionários que mais lutaram contra o fascismo na Itália, e acabou sendo morto depois de ter sido capturado.

Isso é apenas um dos exemplos que acredito que até são citados no posfácio ou no prefácio, mas que ajudam a gente a entender um pouco de quem são aqueles tantos personagens apresentados no livro (e olha que Game of Thrones fica no chão perto de tanta gente, viu?) e também nos ajuda a apreciar mais as passagens, quando a gente descobre que eram umas pessoas bem importantes para a época.

Me fez tanta falta dar atenção ao prefácio (eu pulei!) que eu não tinha a mínima noção de que era a própria Natalia a narradora do livro. A confirmação só veio quando ela se casa com Leone Ginzburg e ela fala que o pai a chamava de "minha filha Ginzburg". Ela passa um bom tempo sem citar seu próprio nome, muitas vezes nem mesmo o nome dos pais (pelo menos no começo). Os sobrenomes então confundiam, pois era o sobrenome de solteira dela (Levi), então achava que poderia ter trocado os nomes, como fazia Anne Frank em seu diário. Mas não.

Eu pulo bastante prefácios pois muitas vezes é só rasgação de ceda: alguém chamado pra usar a fórmula de sempre, dizendo que conhece o autor, toma chá com biscoitos em sua casa, eram amigos de infância, e que essa obra em que ele escreve o prefácio consagrou o amigo escritor. Mas não! No caso de Léxico Familiar o prefácio e posfácio dão informações importantes para que você desfrute melhor a obra. Não faça como eu fiz, não deixe de ler antes! E leia o posfácio depois que terminar também!

Comecei dando uma nota 2 só de dó. Mas termino dando uma nota 7. Merece! Só não dou mais pois as passagens do pai da Natalia xingando todo mundo é muito chato. Eu não via a hora de passar. Mas por volta da página 144 a Natalia casa com o Leone Ginzburg, e as participações desse velho chato diminuem bruscamente, o livro fica menos arrastado.

Nota: 7

Comentários

  1. Adorei a resenha! Eu parei de ler antes da metade mas estou convencida a terminá-lo, talvez em gotas homeopáticas pra não cansar novamente e desistir.

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  2. Me diverti muito com sua resenha! Foi a mesma coisa para mim!! Até no começo eu gostei, mas depois acabei cansando... Não via a hora de chegar no posfácio e ter um pouco mais de contexto do que estava passando.

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