E a roleta da sorte da família gira outra vez.

Hoje a tarde meu pai tossiu. E saiu com muito catarro.

Minha mãe até se assustou e o perguntou: "Você tá resfriado?". Pois é. Num começo de outono onde está fazendo mais de trinta graus.

Meu pai não deixou de sair pro churrasquinho na pracinha em nenhum dia. Inclusive quando eu estava em casa morrendo de febre, ele continuava o ritual como se nada estivesse acontecendo. Deu uma diminuída, o que eram quatro vezes ao dia virou uma, mas voltou a sair na hora do almoço para beber.

Abstinência é um negócio complicado. O álcool, uma substância inebriante, causa uma mudança muito forte no nosso cérebro. Faz o cérebro entrar na marcha lenta, diminuindo suas funções. Ao mesmo tempo faz com que a dopamina, o hormônio do prazer, seja disparado no cérebro ao beber. E junto dela a serotonina, que nos ajuda a controlar nossas emoções no meio dessa bagunça.

O problema é que apesar da serotonina tentar por "ordem no parquinho", o álcool age sobre os neurônios que inibem/excitam, afetando o equilíbrio de ambos. Quando a pessoa bebe, o álcool age no cérebro e desequilibra essas funções, que tenta compensar de um lado pro outro. Isso até o ponto em que a pessoa bebe tanto (como o meu pai, há pelo menos uns 35 anos) que o cérebro que se fudeu pra controlar essa coisa doida acaba acostumando. E quando fica sem, ele pede mais, pois acostumou com o "padrão alcoolizado".

E isso faz com que saia sempre para recarregar, saindo pra beber de novo e de novo. Por isso que ser abstêmio é tão complicado.

Ano passado quando a pandemia estourou, meu pai conseguiu ficar uns bons meses sem beber. E acho que teria ficado até mais (cada dia seria uma vitória) se eu, em um sábado enquanto comia uma pizza numa noite quente, não tivesse aberto uma lata de cerveja.

Eu lembro que ele olhou aquilo e não sei o que deu nele. No dia seguinte, no domingo, vi uma garrafa de Ypioca limão na cozinha.

Talvez ele pensou: "Meu filho bebeu, por que eu não posso?". Vacilo meu.

A única coisa que eu bebo é uma latinha de cerveja num sábado junto da pizza. Inclusive com aval do meu psiquiatra. E eu só abro em noites quentes, eu passo o resto da semana sem beber absolutamente nenhum álcool.

Mas a questão é que o meu pai tem sérios problemas com álcool, e ele é uma dessas pessoas que não pode beber nada. Lembra que eu disse que álcool desregula as substâncias que nos ajudam a controlar as emoções? Pois é exatamente isso o que acontece. Era por conta disso que meu pai chegava furioso do bar, xingando, dizendo que eu era um inútil, um vagabundo, alguém que nunca ia ser nada na vida, e infelizmente é exatamente isso o que eu me tornei hoje.

Palavras que vocês dizem aos seus filhos infelizmente se tornam realidade, esteja você sóbrio ou não. Gostaria de ter tido um pai que me colocasse pra cima, que me apoiasse, que visse minhas qualidades. Tarde demais. A figura do pai ausente já dominou faz tempo.

E essa volta toda sobre o alcoolismo dele nos leva de volta ao começo do texto. Hoje ele tossiu, e foi uma tosse carregada, cheia de catarro.

Eu não sei quanto tempo vai levar pra Covid se manifestar de novo. Da última vez ele começou a tossir por volta do dia 10 de janeiro, e eu caí doente no dia 22. Doze dias, quase no limite dos 14. Será que vou passar a Páscoa doente?

Nós tivemos muita sorte da primeira vez. É verdade que eu fiquei bem mal, mas sobrevivi. Não precisei ser entubado, ou parar num hospital. Mas meu pai não conseguiu aprender com isso.

O desejo de beber, de aglomerar, de sair de casa, sempre falou mais alto. Isso sempre foi mais forte que ele, e isso não me surpreende. Já foram décadas e décadas ingerindo álcool, passando mais tempo no bar do que com a própria família, os problemas na infância, o pai omisso, a mãe com problemas psiquiátricos. Tudo isso se juntou para criar a tempestade perfeita.

Se for pra nos levar, que seja rápido.
Que rodemos a roleta da Covid novamente. E eu, assim como da primeira vez, rezo muito para que eu esteja errado.

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