Fadado a ser mais um elo da corrente.
Há alguns anos eu estava apaixonado por uma garota. Já se passaram muitos anos, ela seguiu a vida dela, não deu certo entre nós. Não era um sentimento recíproco.
Mas uma das coisas que ela me disse quando me deu o fora é algo que foi de uma dureza sem limites. Talvez algo que foi dito no calor do momento, naquele momento que uma mulher não sabe o que fazer quando um homem se declara para ela, e a mesma não nutre o mesmo tipo de sentimento, e quer se livrar logo daquilo a qualquer custo. Independente da situação foi dito. E nem me refiro ao "não" que todas dizem.
Ela me disse que o que eu sentia por ela não era amor. Era posse. E que isso era uma forma distorcida de amor.
Eu fiquei pensando nisso por semanas, meses, anos. E então fui ver no mundo ao redor as tais formas de amar. E nesse mundo líquido é bem visível que a versão de amor aceitável é esse sentimento mais "livre": você não pode dizer que ama (isso é fraqueza!), e você não pode se preocupar com a pessoa (isso é sufocar!). Ao mesmo tempo você não pode se declarar, pois se declarar é certeza que vai receber um "não". Você tem mais é que jogar a roleta do "será que essa pessoa vai gostar de mim, e ao mesmo tempo eu gostar dela?", do que eventualmente as pessoas se conhecerem, terem uma amizade, e alguém querer dar um passo além.
E então eu revivi todas as definições de amor. Constatei que já estava enfiado na lama já desde a infância.
Meu pai sempre brigou muito. Quando estávamos doentes, com os resfriados que ele adorava propagar com suas tosses incessantes (causadas pelo fumo, mas também quando ele se infectava com influenza), brigava com a gente por ficarmos doentes. Proibia sorvete, e refrigerante só quente. Não era a pessoa que se preocupava, fazia carinho, e cuidava do filho, que é o que pais saudáveis fazem. Como se não bastasse estar passando mal, ainda tinha que ouvir que era culpa nossa.
E depois ele berrava dizendo que "fazia aquilo porque nos amava".
E então fui crescendo com essa visão distorcida. E é algo que tenho tentado fugir e evitar desde sempre. Mas quando essa menina disse que eu era exatamente como eu tentava não ser, vi que não havia mais jeito.
Eu nunca conseguirei ser um bom marido para nenhuma esposa. Mesmo se eu conseguisse casar, deverá ser com uma mulher com uma subordinação tóxica como é minha mãe com meu pai. Que se um dia eu tiver filhos, eu serei um ignorante e autoritário, exatamente como meu pai foi comigo, pois ele foi criado pelo meu avô autoritário, e ele não podia esperar para que a vez dele chegasse de ser assim com seu filho.
Foi algo extremamente duro, mas vi como em mim existe essa chave do amor errado. Do amor que é posse, ansioso e doentio. Que infelizmente é assim pois é o único "amor" (se é que podemos chamar disso) que eu havia sido exposto na criação que tive. Onde eu não tive como ver outras alternativas, pois achava que isso era o certo.
Mas não era. Nunca foi. E como se eu tivesse uma doença incurável, hoje estou aqui, vendo que a única forma de impedir que aja mais uma geração de alguém que cresce frustrado e triste como eu, como foi meu pai pelo meu avô, e provavelmente meu avô pela minha bisavó, é quebrando essa corrente. Decidindo não me relacionar com mulher alguma mais na vida, e menos ainda planejar em ter uma família.
Pois ninguém merece viver isso que eu vivi e ainda vivo.
Se meu pai não fosse possessivo, nesse amor doentio, ele não ligaria do filho sair de casa e casar. Ele não ligaria do filho ganhar mais que ele. Ele entenderia que o filho é criado como um ser humano para o mundo, não para "cuidar dele na velhice", pois a única coisa que ele soube fazer era trabalhar e se drogar com álcool e tabaco. E hoje está aí, morrendo há quinze anos quando me avisou que ia morrer, e que não sobreviveria sem ele, pois eu sempre fui um inútil, um vagabundo, um zé ninguém que não devia ter nascido (palavras dele). Ele não era esse pai bonitinho e compreensível. Era um pai possessivo que queria que o filho tivesse um vínculo de dependência eterno, fosse por meio do dinheiro, por meio da pressão, por meio das mentiras, e por meio de tudo o de ruim que a paternidade tóxica dele trouxe.
Não há porquê continuar essa corrente. Como essa menina me disse quando me deu o fora, eu não sei o que amor. Eu só sei o que é posse. E isso é doentio, e uma doença incurável como essa deve ser parada sua propagação, pois infelizmente eu sou alguém defeituoso e sem cura.
Comentários
Postar um comentário