"Você tem tetas, parece uma mocinha!"


Quando eu era criança, por conta do peso, sofria de uma coisa chamada ginecomastia. Eu luto contra transtornos de ansiedade desde a mais tenra idade, por conta de constantes ameaças e uma disciplina pra lá de rígida que recebi. Muitas vezes descontava isso na comida, e na Coca-cola que sempre havia aqui. Viver em um bairro perigosíssimo também não ajudava muito, não havia opções de atividades físicas. E pra piorar, havia uma pediatra filha da puta que eu me consultava quando era criança que dizia que a culpa era minha por eu ser uma criança gorda. O que era um gatilho fortíssimo na minha ansiedade, pois o que uma criança pode fazer quando lhe apontam o dedo assim?

— Filho, puxa vida, temos um problema aqui! Mas fique tranquilo, vamos dar um jeito.

— A doutora disse que eu sou gordo, pai.

— Ei meu amor, não fica assim. Foi culpa nossa, desculpa. Eu não tinha noção de que essas coisas poderiam acontecer, e essa médica está riscada do nosso plano. Como uma pediatra vai dizer uma coisa dessas, não tem noção de que está falando com uma criança? Isso te deixaria mais tranquilo?

— Eu não gosto da doutora Vanice, pai. Ela fica dizendo que eu sou gordo.

— Poxa, vem cá, me dá um abraço — e meu pai nessa hora me abraçou — Por que você tá chorando assim, filho? Conta pro papai, vem cá, senta aqui no meu colo.

— Na escola ficam tirando sarro de mim por eu ser gordinho também, pai. Ficam dizendo que eu sou um menino de tetas.

Nessa hora meu pai me apertou num abraço sem fim. Eu conseguia ouvir o bater do seu coração. Seus olhos lacrimejaram, e aqueles braços grandes pareciam ser capazes de fazer com que o mundo inteiro coubesse ali. Como aquele calor era bom! Eu me senti acolhido como nunca antes tinha me sentido na vida. Era um lugar que eu nunca queria sair.

— Esses seus colegas são um bando de idiotas, filho! Que besteira isso! Escuta, vou junto de você fazer um esforço, vamos nós dois entrar em dieta! Vou cortar as besteiras, e vou te levar pra brincar no parque todo fim de semana! Se quiser achar algum esporte, algo que goste, vamos também ir atrás. Você quem decide filho, eu vou apenas apoiar o que você achar melhor! Com exercício logo esse problema vai passar, vamos achar um médico se for o caso, ou algo do tipo e as coisas ficarão bem.

— Você promete, pai?

— Prometo, filho! Se isso te incomoda no seu corpo, vamos dar um jeito de melhorar essa situação!

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Seria uma estória linda, mas não era isso o que aconteceu na vida real. Meu pai sempre atacou minha masculinidade. Ele sempre foi uma pessoa extremamente machista, e se a pessoa não estivesse dentro dos padrões que ele dizia que eram os corretos, eu era sumariamente atacado.

Um dia, embriagado, durante uma das várias brigas que ele teve comigo quando eu era criança, ele disse que eu tinha um "corpo de mulherzinha". Ele vivia dizendo que eu era um "homem de tetas", e isso me deixou com traumas insuperáveis.

É extremamente improvável que eu tire a camiseta até hoje. Tenho vergonha do meu corpo, e nunca me senti bem. Quando fazia academia, fazia muitos exercícios de peitoral, o que deram uma diminuída na ginecomastia, mas os gritos me chamando de "homem de tetas" deixaram uma cicatriz enorme dentro de mim. Um complexo de não ser aceito, de ter um problema onde você fica com as mãos atadas sem saber o que fazer. Pois você não tem o que fazer. Você é uma criança frágil, ansiosa, frustrada e triste.

Para o meu pai, ser uma "mulherzinha" era algo inconcebível. Algo desonroso para o primogênito homem ser. E aquilo me machucava até a alma. O bullying dos idiotas na escola eu até conseguia me virar: eu os batia quando vinham "brincar" com meu peitoral, apertando, como se fosse com uma mulher. 

Mas e quando meu pai dizia isso? O que eu podia fazer? Aquele homem me dava medo, me ameaçava, e dizia essas coisas horríveis quando estava movido pelo maldito álcool de quando bebia no maldito seu Silvio no boteco do bairro.

Meu sonho era que pudesse voltar no passado e eu tivesse esse pai bonitinho desse conto acima. Não um cara que dizia que eu tinha "corpo de mulherzinha" e que era inaceitável ser pai de um "homem com tetas". Isso era uma doença, seu poço de ignorância. E você como pai devia oferecer uma saída, uma solução, e não ficar criticando, humilhando, constrangendo, e deixando a criança sem saber o que fazer para satisfazer seu pai, idiota.

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