A mentira sempre será nefasta.
Existem diversos clichês em estórias. Um deles é sobre a mentira. Quando vemos um filme, por exemplo, e sabemos que o personagem está claramente mentindo, a gente até percebe na atuação aquele desconforto na atuação, uma coisa tão óbvia para a gente, que é difícil de imaginar que o personagem alvo da mentira caia. Talvez na vida real estaria estampado na cara que a pessoa contava uma mentira. Isso pois quem tem que perceber a mentira é quem assiste, não o outro personagem.
Mas isso não tem nada a ver com a realidade. É como, sei lá, pornografia: não é daquele jeito que as pessoas transam. Mas para seus fins, sejam lá quais forem, vai de encontro com o público. O mesmo sobre o uso da mentira nas estórias (filmes, séries, livros, games, etc).
A mentira talvez seja um dos poucos pontos onde todas as religiões do mundo entram em consenso: além da proibição de matar, se suicidar, e roubar. Talvez isso mostre o quanto ela é nefasta.
Se transpor uma mentira para uma ficção já é um desafio para que não beire o ridículo, na vida real sabemos que as pessoas muitas vezes não são tão óbvias: na vida real pessoas mentem de maneira muito mais convincente. E não existe alguém que está assistindo aguardando o momento em que a mentira será revelada. Muita gente vive uma vida inteira com a mentira e nem percebe.
Não falo sobre a mentira mais saudável, como aquela que a gente conta quando não queremos sair de casa, ou quando estamos mal e queremos que a pessoa não se preocupe conosco, ou algo que já resolvemos mas preferimos esconder para que a pessoa não dê um sermão depois que a merda foi consertada. Falo daquelas mentiras malvadas, fofocar sobre alguém, inventar uma verdade, ou enganar a pessoa para tirar proveito desta.
E aqui lembro mais uma vez do meu pai. Ele sempre mentiu muito, mas muitas mentiras acreditei que eram verdades até eu virar adulto e descobrir por outras pessoas que conviveram com ele que eram mentiras. Lembro de um dia que meu pai, pra mostrar que era o macho mais viril do país, e eu era o filho frouxo do macho mais viril do país que não conseguia comer nenhuma garota, me disse que ele passava o rodo em todas as meninas da rua, inclusive uma vez um amigo apostou com ele que daria uma garrafa de guaraná caso ele beijasse uma menina banguela da rua.
Eu devia ter uns sete ou oito anos nessa época. Meu pai já queria que, sei lá, eu estivesse com vinte namoradas nessa idade, uma renda mensal de vinte mil, um carro zero na garagem e duas faculdades no currículo. E como eu sempre fui um cara que respeitava as garotas e bastante platônico com elas, ser o macho mais viril do país nunca esteve nos meus âmbitos.
Mas para ele, era sinal de que eu era viado. E eu nunca tive dúvida sobre eu ser hétero.
Um dia, batendo papo com meu avô, que havia aprontado muito quando era jovem, ele me contou uma estória sobre uma vez que um amigo apostou com ele uma garrafa de guaraná se meu avô era capaz de beijar uma garota banguela na época. Essa estória provavelmente se passou nos anos cinquenta, onde o mundo era bem diferente, e muitos tio-avós que conviveram com ele dizem que meu avô era o cara mais mulherengo da face da Terra. E meu avô nunca contou isso com orgulho. Pareciam desabafos. Meu pai mentia, dizendo que era ele, contando com orgulho.
E eu levei quase vinte anos pra descobrir a verdade.
Não que faça diferença saber com quantas mulheres meu pai ou avô ficaram. Mas eu confiei no meu pai. E era tudo mentira. E se talvez eu não tivesse ouvido e sacado, provavelmente eu estaria achando ser verdadeiro até hoje.
E quantas outras mentiras existem?
E o pior: como confiar em uma pessoa assim, que mente tão bem, e com tanta facilidade?
Por isso que a mentira é tão mal vista. Não existe defesa, não existe justiça na vida real. A gente acredita naquilo que nos contam até o fim das nossas existências, e talvez até passemos adiante sem nem tem noção de que aquilo é falso, construído e manipulado. E quando descobrimos que algo é mentira, é difícil acreditar no resto que a pessoa afirma. Ficamos querendo buscar a verdade através de outras pessoas, e temos que montar verdadeiros quebra-cabeças colhendo informações de terceiros para termos evidências. E verificar uma por uma. E mesmo assim talvez nem acha algo conclusivo.
Custava a pessoa ter contado a verdade, cacete?
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