Implacável.

Um dos livros que mais gostei de ler este ano foi Um lugar bem longe daqui. Eu lembro de no dia da reunião do clube do livro, teve pessoas que diziam que era forçado que uma menina, de sei lá, sete anos, conseguir sobreviver numa casa sozinha sem nenhum adulto responsável. Eu me opus com veemência a esse argumento, pois crianças não são os seres mais frágeis do planeta. Eu mesmo hoje aos trinta anos posso afirmar com bastante firmeza que eu quando era criança era bem mais capaz de realizar coisas do que eu hoje, adulto.

A verdade é que a sociedade é muito centrada no adulto. Você não é nada, e não pode fazer nada enquanto não alcançar a maioridade. Quando somos crianças, em grande parte dos casos, a preocupação é apenas a escola, algum curso, natação ou coisas do gênero. Óbvio que existem muitas crianças que não têm acesso a isso, mas ainda assim existe uma livre experimentação das coisas. E isso independe da classe social.

Eu quando era criança sentia que o mundo estava em minhas mãos. Que quando crescesse eu sairia do país, que não ia querer viver com meus pais ditando o que eu deveria fazer e como eu deveria ser. Me imaginava vivendo minha vida em um local bem longe do Brasil, trabalhando com diversas coisas, pois era isso o que me alimentaria.

Eu era uma criança muito criativa, eu adorava botar a cabeça pra resolver problemas, e me via em profissões bem complicadas, como astronauta em alguma missão Apollo, como um artista cuja arte emocionaria as pessoas, ou como um grande acadêmico que estaria no corpo catedrático de alguma grande universidade.

Já teve vezes que eu sonhei ser um grande ator de muito sucesso, pois o teatro e as artes cênicas me fascinavam desde jovem. Havia algo dentro de mim que me puxava para o teatro, e durante a pré-adolescência eu fiz parte de um grupo de teatro amador — conhecimentos que trago e me ajudam até hoje.

Eu tinha ânsia por crescer logo, pois nada daquilo que eu tinha a bravura para enfrentar e a vontade de vencer na vida dava para se fazer enquanto eu era criança. Pois tudo o que podemos realizar na vida parece que era só reservado para quando fôssemos adultos. E nada poderia ser realizado enquanto fôssemos crianças.

Hoje eu sinto falta dessa energia.

Quando a gente fica adulto percebe que as coisas para se realizar são bem mais difíceis do que se pensa. Somos obrigados a trabalhar, a fazer coisas que não queremos, para ter um pagamento mensal para nos sustentar. A gente vê que os sonhos nunca deixam de ser apenas sonhos — nunca se tornarão realidade, pois o mundo é cruel. Tudo é difícil, tudo custa dinheiro.

Meus pais viviam dizendo que eu não abandonaria os meus sonhos. Que as coisas que preenchem meu coração podem viver como um hobbie, e que de segunda a sexta eu seria a pessoa que acordaria cedo, encararia duas horas de transporte público até o trabalho, bateria o cartão, ficaria oito horas ou mais trancado num escritório trabalhando, encararia mais duas horas na volta, chegaria tão cansado em casa que não teria energia pra fazer as coisas que me preenchessem, pois só iria querer me deitar na cama e dormir, para no outro dia repetir o mesmo ciclo.

E então a vida vai se acizentando. Vai perdendo as cores. Trabalhar é como ir ao abate. A gente vai deixando de sonhar, afinal a gente é obrigado a trabalhar. E se trabalhando já é difícil realizar alguma coisa, sem trabalho você não faz nada. Vira um inútil na sociedade, um cara de trinta e poucos que vive na casa dos pais. Um solteirão sem namorada que escreve sobre uma garota que ama num blog que ninguém lê. Alguém que se deixar fica direto no celular vendo as redes sociais dos outros, onde todos parecem felizes e contentes, e só a minha vida é preenchida por desgraça.

Se eu como criança pudesse ter realizado algo! Como teria sido diferente!

A espécie humana desde o seu alvorecer, há mais ou menos duzentos mil anos atrás, era um macaco grande e bípede que não vivia muito tempo. Fico pensando no tempo em que éramos caçadores e coletores, muito antes do Adão e Eva, numa época em que a expectativa de vida devia ser uns vinte anos. Era chegar num local, comer frutinhas, e sair em grupo para outro local. 

Travar umas guerras aqui ou ali com outras tribos humanas, afinal somos esse tipo de primata violento por natureza, os que sobreviviam passariam seus genes através da prole, as mulheres líderes das tribos talvez viveriam até os trinta ou quarenta anos no máximo, e o ciclo se repetiria assim, geração após geração, se espalhando pelo globo, e talvez nesse mundo as crianças teriam uma maior liberdade. 

Se todo mundo morresse aos vinte anos, talvez com dez você seria praticamente um adulto. E se viraria para, sei lá, dominar o fogo, inventar a roda, ou esculpir a Vênus de Willendorf pra bater uma punheta vendo aqueles peitinhos caídos da estátua gordinha.

Com dez anos eu bati minha primeira punheta. E foi vendo a Playboy da Déborah Secco.

Sinto falta dessa vontade de ser o rei do meu próprio destino quando eu era criança. Adulto não sonha, adulto apenas paga conta. Diversão pra criança é pintar, desenhar, brincar. Diversão de adulto é apenas relacionado a sexo, bebida, ou drogas. Talvez resgatar essa criança do passado poderia ser um tíquete de passagem para o meu futuro.

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