O cheiro de roupa passada da mamãe.

No ano passado eu estava muito mal. E no meio dos trezentos e sessenta e cinco dias de 2020, foram pouquíssimos dias que eu não me sentia péssimo. Foi perto do meu aniversário ano passado que meu amigo Flávio disse que a mãe dele tinha desenvolvido um câncer. E se pedidos de aniversário pudessem se realizar, desejei a cura da mãezinha do meu amigo. Mas depois de um ano de luta, ela faleceu quase um ano depois daquela fala. E isso fez com que o meu aniversário, que é uma data que eu já detesto, ficasse ainda pior.

Um dos princípios de muitas religiões é o altruísmo. E realmente fazer o bem para os outros nos fazem sentir melhor. Isso é a base do cristianismo, judaísmo, hinduísmo, islã e o budismo. E eu senti que tinha uma obrigação. Houve dias em que fiquei em meditação profunda entoando mantras budistas, mandando toda a energia para a mãe do meu amigo.

Eu também não ficava perguntando muito sobre o estado dela. Achei que seria inconveniente ficar toda hora preocupado com ela. Afinal ele já estava passando por tanta coisa, não é mesmo?

Não tive chance de ter muito contato com ela. Acho que só a vi uma ou duas vezes, quando fui para algum churrasco na casa deles. Mas muitas coisas se passaram na minha cabeça quando ela faleceu no último dia 20 de julho — dois dias antes do meu aniversário.

Lembro do Flávio dizendo o tamanho do carinho da mãe dele quando passava suas roupas. Ele disse que saía com um cheirinho que ele adorava — coisas do carinho e do coração sem tamanho de nossas mães.

Esse gesto simples de uma mulher simples, uma mãe viúva com dois filhos, que ralou muito para criar os filhos. Trabalhou e colocou em casa arroz e feijão, mas também videogame e bola de vôlei. Incentivava os filhos a estudarem bastante, e os dois fizeram duas faculdades. E tinha aquele ego inexistente, onde nem mesmo fotos ou vaidades ela tinha com ela mesma: até a foto do perfil no Facebook era foto dos filhos, que ela com certeza mostrava como o grande sucesso e razão de viver da vida dela.

Quem conseguiria entender o coração de uma mãe, se não outra mãe? 

E a partir dali nunca mais o Flávio sentiria o cheirinho de roupa passada com todo o carinho da sua mãe. Isso arrasou meu coração sabe? Isso tudo é um símbolo tão forte, algo tão inesquecível, que ficaria apenas gravado na memória.

Acho um motivo de celebração e júbilo quando alguém fala que "venceu o câncer". Mas acho que os vitoriosos são também os que lutaram até o fim. Apesar de todo o tratamento dificílimo, vencedora é como a mãe do Flávio. Não desistiu até o último momento. E sempre carregou a esperança por dias melhores e levava isso para todos ao seu redor.

Eu demorei muito a escrever isso. Precisava de um tempo, sabe? Mas hoje, passado mais de um mês, acho que consegui organizar as idéias. Dona Marinalva, vá em paz. A senhora sempre foi uma vitoriosa em todas as batalhas da vida. Não tenha dúvidas que nessa também a senhora foi uma vitoriosa por ter lutado até o fim. E seus filhos com certeza continuarão tudo o que a senhora foi, do ponto onde você os deixou.

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