Oráculo, Arquiteto, e Agente Smith: No final, fomos todos manipulados.
Eu amo a série de filmes Matrix! Acho que eu já devo ter visto umas quinhentas vezes, mas a coisa que mais me excita nesse filme é que cada vez que eu vejo parece que é a primeira vez. Sempre eu percebo algum detalhe que eu não vi nas quatrocentas e noventa e nove vezes anteriores (ou talvez tenha visto, mas esqueci). Essa semana eu decidi ver mais uma vez, e hoje quero falar não sobre os humanos, mas de três das máquinas do filme: a Oráculo, o Arquiteto, e o Agente Smith.
Gosto muito dos três filmes, mas meu favorito é o segundo (Matrix Reloaded). O primeiro fica com o segundo lugar, e o que eu menos gosto é o Revolutions (eu cortaria metade daquela cena interminável e chata do ataque a Zion).
Enquanto eu assistia, eu fiquei pensando na mensagem que o filme passa. Acho que todo mundo vê o Neo como a grande esperança da humanidade, o grande salvador de Zion, entre outras coisas. Mas Neo apenas calhou de estar no lugar certo e na hora certa.
O Arquiteto já disse que estavam com o plano de aniquilar a raça humana mais uma vez, tanto que ele diz que o papel do Escolhido é pegar ali uma dúzia de pessoas para reconstruir a humanidade, e que os robôs aguentariam ficar um tempo em racionamento de energia enquanto cultiva uma nova humanidade com aquele punhado de novos humanos.
Porém Neo decide ir até onde está o superior do Arquiteto, o Deus das máquinas, e propõe que essa extinção seja ao menos adiada, em troca de acabar com o vírus que era Smith, dominando toda a Matrix e se multiplicando desenfreadamente.
Do outro lado temos a Oráculo, um programa que foi criada para analisar e entender como a mente humana funciona. Ela parece boazinha, como a "programa que ajuda os seres humanos", e talvez até tenha um pouco mais de compaixão do que o Arquiteto nesse quesito, mas é ela quem criou o sistema de escolhas de Matrix: onde os humanos aceitavam viver em Matrix contanto que eles tivessem a chance de fazer escolhas — quando no fundo era uma ilusão de livre-arbítrio, pois as pessoas mesmo quando fazem decisões, todas elas estão dentro de um leque bem limitado de possibilidades, todas adequadas àquela pessoa.
Mas uma outra coisa que percebi nesses três personagens máquinas, são aspectos bem humanos. Aspectos de inteligência bem delineados, que estão na origem da nossa capacidade de raciocínio, como homo sapiens.
Parece que a inteligência mais elementar nasce da agressividade. Na natureza a gente vê muito disso em todas as espécies: desde a competição por uma fêmea para acasalar de cervos ou galos, como em níveis mais avançados de inteligência (e, na mesma medida, de agressividade), como golfinhos que estupram suas parceiras, ou chimpanzés que guerreiam uns contra os outros.
Talvez o ser humano só conseguiu dar um salto evolutivo pois era um macaco grande que brigava muito. Chimpanzés, gorilas e bonobos vivem até os quarenta anos, mas o ser humano durante grande parte de sua existência, especialmente no longo período em que fomos caçadores/coletores mal chegávamos aos vinte anos. Era nascer, brincar um pouco, aprender algumas coisas com os poucos da geração que sobreviviam, quando fosse adulto entrar em alguma batalha contra uma tribo rival, e os que voltavam acasalavam com as fêmeas que sobravam/conquistavam e passavam os genes para a próxima geração. E foi assim por, pelo menos, uns 200 mil anos.
A agressividade é algo que é tão essencial para que exista a inteligência, que até mesmo a Inteligência Artificial do Google já mostrou isso. Existe uma necessidade de ser melhor do que o outro, de imponência, e mesmo hoje isso ainda é muito forte: gente que quer mostrar que é mais feliz nas redes sociais, gente que quer mostrar que é mais inteligente por acreditar nisso ou naquilo, gente que suprime ou repreende o outro pois tem a convicção de que está certa, pois o facto de ter inteligência necessariamente te faz querer ser superior ao outro. E isso te trará uma posição melhor na sociedade, um parceiro para acasalar, e admiração dos outros da sua espécie.
O mais legal de Matrix é que esses conceitos basais existem nas máquinas inteligentes do filme se você reparar bem!
O Agente Smith nunca escondeu que detestava humanos. Ele até cita o cheiro ruim deles, e os compara a uma espécie de "vírus do planeta" no primeiro filme (acertou nos dois, mizerávi!!). E ao mesmo tempo ele queria ser promovido, queria ser maior e melhor que as outras máquinas. Ele queria ser o que sobrepujava seus companheiros.
Mas depois que ele perde para o Neo, e deixa de ser um programa do clubinho (ele até perde o fone de ouvido no Reloaded), ele agora está livre pra poder correr atrás do objetivo dele de grandeza. E começa a se multiplicar, e cada vez mais absorvendo programas mais e mais fortes. Consegue um corpo humano para sair da Matrix, e até mesmo ganhando os "privilégios de admin" da Oráculo.
Acima de tudo o Agente Smith está mostrando esse princípio de que a inteligência mais primordial vem da agressividade: de querer superar todos ao seu redor, com isso maquinar planos, traçar estratégias, se sair vencedor de todos os combates que puder, e é basicamente o que ele faz em todos os filmes.
No entanto, como eu disse, essa inteligência agressiva é muito elementar. A gente pode até ter vantagens aqui ou ali, mas se você estiver em um degrau de cognição superior, vai conseguir manipular tranquilamente quem está nesse nível mais básico.
E aqui entram o Arquiteto e a Oráculo, e a questão das escolhas:
O filme passa a impressão de que eles sabem sobre o futuro do ser humano, mas o que eles fazem é traçar um caminho onde eles sempre mostram escolhas: mas NÃO existem escolhas, pois todo ser dotado de inteligência (seja humano como o Neo, ou máquina como o Smith) fazem escolhas perfeitamente previsíveis.
Para exemplificar isso, é só lembrar da cena onde o Arquiteto mostra duas portas para Neo: uma, onde ele irá até a Fonte e salvar Zion (que seria a Cidade das Máquinas, encontrar com o Deus das máquinas), ou salvar a Trinity que está prestes a morrer. Existe uma escolha mas isso tudo é uma ilusão, é óbvio que ele vai salvar a Trinity. Assim ele adia a morte da Trinity, pois inevitavelmente ela vai morrer, fosse naquele momento, ou no filme seguinte.
E para concluir meu pensamento, quero mostrar como a Oráculo é quem manipulou todos, incluindo o próprio Arquiteto de certa forma! Ela é apenas sorridente — debaixo daquele sorriso tem um cérebro fazendo diversos planos para dominar o mundo, hahaha.
O dilema das escolhas recai sobre todos os seres que possuem inteligência. E, como eu disse, não existe nenhum dilema: em 99% das chances, a escolha é perfeitamente previsível. A Oráculo tinha o plano inteiro em mãos desde o começo: Thomas Anderson seria o Escolhido, ao derrotar o Agente Smith criaria a anomalia, e que faria Neo oferecer acabar com Smith para, em troca, não varressem Zion (e a humanidade) do planeta mais uma vez.
É exatamente por isso que, por exemplo, ela foge do Smith em Reloaded: ainda estava muito cedo, e para a cadeia de eventos acontecer ela teria que ser absorvida por Smith só depois que o Neo se encontrasse com o Arquiteto e pudesse usar a aniquilação de Smith como moeda de troca para o Deus das máquinas para salvar a humanidade em Revolutions.
Talvez essa cadeia de eventos, que incluíam manipulações de máquinas e seres humanos, tivesse um propósito altivo: a Oráculo é um programa que não possui essa imponência como base de sua inteligência. Enquanto o Arquiteto é apenas a lógica fria, algo como: "Vamos extinguir os seres humanos e pronto, eles se multiplicam depois", a Oráculo é uma inteligência mais emocional:
Existe uma admiração nos seres humanos, pois ela percebe que a inteligência deles reflete em algo dentro dela própria, e ela, mesmo máquina, se vê como uma humana por conta das similaridades. Enquanto o Arquiteto é a negação das coisas em comum que os seres de mesma inteligência possuem (afinal ele quer ser sempre o superior e não quer se rebaixar com os que ele chama de inferiores), a Oráculo percebe que a inteligência dela tem muito mais em comum com os seres humanos e aprecia as mesmas coisas (como o cheiro de cookies no forno, ou um belo nascer do sol), pois apreciar essas coisas são o que há em comum com a evolução da inteligência da máquina em comparação com a humana!
A Oráculo meio que ligou o foda-se e disse: "As máquinas não são superiores. Todos os seres que possuem inteligência chegam a esse nível, e nós, máquinas, chegamos também. Podemos aniquilar os seres humanos incontáveis vezes que nada vai mudar o fato de que somos iguaizinhos a eles e ponto final".
E para concluir, uma transcrição da fala do Arquiteto em Reloaded:
"Esperança. É a quinta essência da ilusão humana, simultaneamente a fonte de sua maior força e sua maior fraqueza".
Como eu disse, o Neo é o cara certo na hora certa. O filme tem essa mensagem para nós, seres humanos que vivem em sociedade, de que se é possível fazer o próprio destino e ir atrás da felicidade, mas isso também é uma ilusão humana. Nem todo mundo tem essa chance, de ser feliz. Ser feliz não é algo possível para todos os seres humanos.
São todas as pessoas que tem a chance de trabalhar com o que amam e ter uma vida digna? São todas as pessoas que conseguem ter a vida que tem vontade? São todas as pessoas que conseguem ter triunfo? Não. São pouquíssimas pessoas, e o que existe são filmes, novelas, seriados, tudo mostrando que podemos ser o que quisermos ser, mas isso é uma mentira.
(ok, eu tenho depressão e não vejo muita esperança na humanidade)
Se o Neo fosse um cara com depressão, por exemplo. O mundo poderia estar ruindo e ele não estaria nem aí, pois tudo o que ele gostaria era que tudo aquilo acabasse: viver como um ser humano, ser obrigado a comer, a copular e aumentar a espécie, a acordar cedo e trabalhar, tirar seu sustento, etc.
Talvez Matrix seria um filme muito triste se o Neo não fosse um cara tão proativo, hahaha. Mas a verdade é que isso também acontece, e para as máquinas tanto faz se fosse um Neo querendo lutar contra o Smith e salvar Zion, ou um Neo precisando de Fluoxetina e querendo desistir da vida: o fim de tudo sempre esteve nas mãos das máquinas. Isso é inerente. Fazer o joguinho da Oráculo era bancar o herói, passar a mensagem para o público, e dar esperanças a nós de que as coisas podem ser diferentes — quando o êxito e sucesso da vida é algo restrito e apenas uma pequena parcela da população.
Aí sim existem três caminhos bem claros: 1) a pessoa tem a sorte de conseguir realizar tudo o que sempre almejou e alcança a felicidade; ou as duas opções no caso de falha, onde 2) a pessoa aceita que aquele foi o caminho da sua vida e é assim que as coisas funcionam; ou 3) a pessoa se afunda numa espiral de negatividade, onde conhece a depressão e todos os males que ela traz junto.
O problema está na esperança, hahaha. Ela pode te mover a buscar tudo o que quer na sua vida (opção 1 acima), mas também pode te trazer expectativa por dias melhores apesar de tudo (opção 2 acima), ou pode te afundar de vez, onde você não tem ânimo pra nada e se vê como um grande estorvo, uma falha, algo que não tem autoestima nem iniciativa pra sair de onde está (opção 3 acima).
E sim, o Arquiteto é o meu personagem favorito da série!
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