Livros 2021 #14 - A vida pela frente (1975)


Esse ano tive várias ótimas surpresas literárias, e essa está entre elas, sem dúvida! Um livro lindo, onde através dos olhos inocentes de uma criança, mesmo que esteja envolto de prostituição, criminosos, pobreza, e diversas outras mazelas da sociedade, essa criança extrai a pureza e inocência de tudo isso, e nossos corações são aquecidos por uma história que, embora tenha sido escrita há quarenta e seis anos, parece que se passa hoje em dia.

Estou falando da obra do francês Romain Gary, sob o pseudônimo de Émile Ajar, o livro A vida pela frente.

O livro conta a história do pequeno Mohammed, apelidado de Momo. Um órfão que vive com uma judia polonesa chamada Madame Rosa, no sexto andar de um prédio sem elevador. Lá, junto de outras crianças em igual situação, Momo vai dando significado e sentido à sua vida no meio daquilo tudo: todos são filhos abandonados de prostitutas. E essas mesmas prostitutas mandam uma mesada para que a Madame Rosa cuide deles, e eles não sejam levados pela Assistência Social.

E no meio disso tudo eles acabam convivendo com todo tipo de gente. Pessoas em geral muito humildes como todos eles, mas também pessoas marginalizadas pela sociedade, como gângsters, proxenetas (que no livro ele escreve como "proxinetas", por não saber a ortografia correta), prostitutas, travestis, imigrantes ilegais, entre outros. Pessoas que infelizmente temos a tendência de olhar de maneira torta, mas o livro mostra de um jeito diferente: como todos estão ali na mesma condição, lutando para sobreviver, existe uma ajuda mútua e um senso de comunidade muito forte e bonito!

Algo como: apesar de não terem nada, dividem o pouco que possuem. Pois são excluídos da sociedade, não são aceitos como "franceses puros", e o mundo prefere fechar os olhos sobre sua existência. Mas são todas pessoas que estão lá ajudando umas as outras, como fazem todos fora de seu círculo. O livro nos leva a dar um olhar humano para essas pessoas, o que é algo muito bom.

Gosto muito de como o livro parece mesmo ter sido escrito por uma criança. A linguagem simples, o uso da imaginação, e aquela falta de malícia que só encontramos em crianças. O livro rendeu um prêmio ao autor, que na época todos achavam que eram esse tal Émile Ajar. Foi só depois da morte de Romain Gary que uma carta foi descoberta onde ele dizia ser a pessoa por trás do pseudônimo: se tornando a única pessoa a ganhar duas vezes o prêmio Goncourt, que era reservado apenas um por pessoa.

Além dos personagens únicos, o livro também me chamou a atenção pelos temas que aborda: Momo, mesmo sendo criado por uma judia, esta faz questão com que ele tinha uma educação dentro da religião muçulmana. E curioso que mesmo o livro se passando em 1975, já havia naquela época esse sentimento de que se você não é um francês étnico, como é o caso de Momo com sua ascendência árabe, não pode se considerar "francês". Parece uma coisa super atual com essa onda migratória de pessoas fugindo das guerras no Oriente Médio que nunca terminam.

Conhecemos (e passamos a amar) personagens únicos, como a Madame Lola, uma mulher trans que foi pugilista enquanto vivia na África. O senhor N'da Amédée, um bandidão e cafetão da região que sempre entrega mimos para o Momo. E o senhor Hamil, outro árabe, mas bem velhinho (e caduco) que tenta aproximar Momo da cultura do islã (onde ele vê o Alcorão e acha que é uma edição de "Os Miseráveis").

E não posso esquecer da Madame Lola, que com a idade se aproximando, se vê cada vez mais com dificuldades de locomoção, de saúde, e ao mesmo tempo preocupada com o futuro de todas as crianças que foram apadrinhadas por ela. Rimos, choramos e nos preocupamos com ela ao longo do livro, e nos divertimos com a pureza e trapalhadas do Momo enquanto tenta cuidar dessa senhora que tanto cuidou dele, e que ele tanto ama.

O livro fala sobre amor desabrochando em seus lugares onde mais achamos que seria mais difícil. E nos faz repensar sobre tudo o que acabamos olhando com um olhar torto na sociedade, e entender que ali muitas vezes é o lugar onde há mais amor e acolhimento do que sequer imaginávamos. Dá um quentinho no coração ler cada página, é muita fofura atrás de outra!

Nota: 10
Imperdível, impecável, inestimável.

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