O meu processo criativo.


A criatividade aparece em cada pessoa de maneira particular. A minha vem por meio de longas caminhadas. Eu sempre fui um pedestre assíduo, gosto muito de caminhar por aí, é meu meio de locomoção preferido. Ao mesmo tempo quando caminho, especialmente sozinho, é quando minha mente viaja e tudo ao meu redor vira um cenário das coisas que construo na minha cabeça. Nem preciso dizer que desde que a pandemia começou caminhar ficou quase impossível. E o processo criativo diminuiu drasticamente.

Quando eu era criança, eu gostava de fazer uma brincadeira que meus pais — dois super ignorantes — viam como coisa de "criança doida". Não sei se é por conta de eu estar dentro do espectro autista, já vi crianças autistas fazendo o mesmo, mas vou considerar que é por conta da minha imaginação fértil e talvez um pouco a necessidade de tentar fugir de um lar onde meu pai vivia constantemente me ameaçando de expulsar de casa, e de uma mãe que tinha um amor tão cego por esse cara que não fazia nada para proteger os filhos dos exageros (ou alcoolismo) do seu marido.

A brincadeira que eu mais gostava era ficar dando voltas no quintal chutando o chinelo direito e falando sozinho. Não era um quintal muito grande, talvez coubesse uns dois carros bem apertados com sorte. Para quem visse de longe eu era um garoto falando sozinho, fazendo sons com a boca, com os olhos sempre ao chão e desgastando apenas o chinelo direito — que sempre os forçavam a trocar o par. E nunca era a mesma coisa chutando o esquerdo.

Mas dentro de mim a ação motora era a de menos, pois ela era apenas isso. Enquanto o corpo ia sozinho fazendo voltas e voltas no quintal, durante essa caminhada minha mente voava para longe. Eu era um herói com espada derrotando dragões do tamanho de prédios, um agente secreto defendendo o mundo de um vilão malvado, ou um mago guerreiro soltando um kamehameha com a mão.

Meus pais detestavam isso. Diziam que eu falava sozinho, que eu era doido. Mas não, cara. Ali eu estava exercitando a criatividade do meu jeito. Só que eu era uma criança, eu achava que eu era doido mesmo, mesmo com os pais me criticando duramente. Afinal quando a gente é criança a gente acredita nos pais. Mas isso era mais forte que eu.

Viver aqueles mundos era minha válvula de escape. Era onde eu não era apenas um garoto gordinho cujo pai proibia de brincar com as outras crianças, e que sofria bullying na escola. Ali eu era quem eu quisesse ser, eu me sentia livre e feliz como nunca. E aquilo era tão necessário para mim quanto respirar, pois era assim que minha mente funcionava.

Hoje eu consigo aceitar isso melhor. E se for coisa de doido mesmo, qual o problema? Hoje eu ainda viajo muito enquanto caminho. Grande parte dos capítulos de Amber nasceram assim: eu caminhava a Avenida Paulista quase que inteira, e voltava pra casa com cinco a dez capítulos vividos ali. Era só eu anotar e passar para o papel depois.

O mundo infelizmente tá lotado de gente que quer que você siga padrões. Você tem que ser de um jeito assim ou assado, fazer as coisas do mesmo jeito que todos vem fazendo, pois o único caminho pra felicidade é o mesmo. Mas isso é que eles dizem, e isso é uma besteira sem limites.

Cada um é de um jeito diferente. Existem pessoas que se adequam, e isso não as fazem melhores que ninguém. Existem pessoas que são indiferentes, que conseguem se moldar a qualquer situação. Mas existem pessoas que são bem diferentes e únicas, e elas merecem tanta aceitação e respeito quanto qualquer outra.

O importante é respeitar qualquer um dentro dos três tipos acima. Ninguém é melhor do que ninguém, cada uma pode contribuir de um jeito, e acho que esse é o caminho para uma sociedade melhor.

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