Por que crises são tão nefastas?
Eu me lembro em 2009 quando comecei a procurar meu primeiro emprego. Era final do governo Lula, e o país estava em uma ótima maré de otimismo e prosperidade. A crise feia que estava acontecendo no mundo depois da queda do Lehman Brothers parecia nos afetar muito pouco. Eu lembro que tinha emprego em abundância, tinha semana que eu conseguia no mínimo três entrevistas. E empregos bons. Pelo menos para um estagiário como eu.
Eu havia acabado de entrar na vida adulta. E eu tinha uma baita esperança pelo que estava por vir. Eu estava terminando a faculdade e começando a desbravar o mercado de trabalho. Havia tantas opções de trabalho, que quando eu percebi que não havia mais como crescer naquele estágio, eu pedi as contas sem hesitar. E no mês seguinte já estava no meu segundo estágio, o qual eu seria efetivado mais tarde.
A primeira crise que vivi foi a de 2013-14. Foi quando a marolinha se transformou em um tsunami. Dilma havia mexido com gente grande da Faria Lima, e isso fazia o país mergulhar em um fundo do poço que a cada dia parecia pior. Muito desemprego, juros lá em cima, e tudo encareceu. O meu último emprego com carteira assinada, que comecei em junho de 2013 até março de 2014 já foi bem difícil de conseguir, uma vez que eu estava desde o final de 2012 sem trabalhar. O mundo ali já não era fácil como era em 2009.
Desde então parece que estamos mergulhados em uma crise que parece não ter fim. Talvez quando eu era criança eu não tinha a mínima noção do que isso significava. Muita coisa para nós crianças acaba sendo suavizada pelos adultos. E nossos pais e avós pareciam ter vivido suas doses de crises em suas épocas. Mas nunca parece que existiu uma crise que afligisse tanto os millenials como atingiram as gerações anteriores.
Já tem lugar que nos chama de uma geração perdida. Como se não bastasse os problemas causados nas falhas no governo Dilma em não conseguir fazer o país decolar como era esperado, com tantos escândalos e popularidade indo de mal a pior, eu não tive esperança nenhuma quando o atual presidente foi eleito. Eu não entendia o que as pessoas viam naquele cara que não tinha plano nenhum para nada. Eu já tinha noção de que as coisas ficariam muito ruins. Mas acho que nem nos meus piores pesadelos eu tinha noção de que ficaria tão ruim. E olha que eu fui bem pessimista quando vi que ele havia vencido a eleição.
Crises são essencialmente nefastas. E viver uma é se ver sem esperança. Sem conseguir um emprego e perder a vontade e esperança de conseguir um. É ir para entrevistas e chegar lá com eles espremendo a CLT ao máximo, jornadas no limite da lei, salários baixos, sem benefícios, no máximo um vale coxinha pra enganar seu estômago no almoço.
Um presidente que nos torna um pária do mundo. Alguém que não está disposto a dialogar, a tentar vender soluções simples para problemas complexos para seu gado. Uma pessoa no cargo executivo que está lá pois os 0,01% da população estão cada vez mais com dinheiro: uma elite que faz questão de pegar o dinheiro que ganha aqui e gasta em Orlando, em Miami. Um pessoal para o qual a mamata nunca terminou, só aumentou. E por conta disso não permitem que o atual presidente perca o mandato.
Eu vi quando combateram a fome. Como era bom viver num país que estava acabando com essa mácula que parecia sinônimo de brasileiro e pobre. Se o dólar a menos de três reais era horrível, hoje está a quase seis. O número de pessoas desempregados piorou ainda mais, e emergiu o grupo dos desalentados — dessas pessoas como eu que, no meio da crise perdeu a esperança de tudo. Esperança de viver uma vida com minhas próprias pernas, de fazer meu próprio destino, pois ainda tem ali um presidente que vai ameaçar o STF, que não vai dialogar com líderes de outros países, que não vai diminuir desmatamento, criar instabilidade política para se manter no poder, dizer que o voto tem que ser impresso porque sabe que vai perder a eleição, e outras asneiras sem fim.
Tudo isso para quê, cara? Será que uma geração inteira sem esperanças já não é o suficiente?
Viramos um campeão em depressão, em suicídio, e violência.
Fico pensando em querer saber como era o desespero de alguém, por exemplo, vivendo no meio da Primeira ou Segunda Guerra Mundial. Como será que um francês comum e jovem, tentando apenas viver sua vida, tentava seguir em frente com esperanças com, sei lá, um Robespierre guilhotinando e criando instabilidade política a cada semana?
Será que essas pessoas se viam como uma geração perdida? Se sim, como foi a passagem? Pois ás vezes parece que as coisas nunca vão melhorar. Que cheguei a ter muita esperança durante um certo tempo, mas depois a esperança foi afundada pela crise, e ela continua até hoje — e em quase todos os sentidos, apenas tem piorado.
Viver momentos de crise podem ser como o desespero de quando acaba a energia e não conseguimos enxergar mais nada. Talvez aquele tempo seja uma janela relativamente curta na sua vida — logo chegará a equipe da companhia elétrica e fará o reparo — mas enquanto você está na escuridão, aquele tempo parece interminável. Você fica tentando tatear e achar onde estão as coisas. Não sabe por onde anda e tem medo de pisar em falso em algum lugar. Isso sem contar o medo — e no meu caso particular, pois eu tenho medo de escuro — torna aqueles minutos ou horas intermináveis e traumáticas.
Mas um dia a luz chega. Ou ao menos esperamos que ela chegue. Talvez o mundo esteja completamente diferente lá. Ainda mais depois de uma pandemia, o mundo parece estar mais vazio. Quando eu pego o transporte público eu sinto muito isso.
Até lá ficamos mergulhados todos nesse mundo nefasto e vemos o tempo passar. E quando passa não tem mais volta. Se eu não tinha uma namorada antes, ou um bom emprego, ou viver fora do casa dos meus pais, com a passagem do tempo essas coisas nunca mudam, mas os cabelos brancos e as rugas começam a aparecer.
Nos sentimos atados sem poder fazer nada pois existe uma galera muito forte, com muito dinheiro e poder, que insiste em dizer que o problema é o nosso mindset. Quem me dera se apenas mudar meu estado mental pudesse me tirar da depressão e dessa sensação de vida incompleta por ter que trilhar meu caminho no meio de uma crise que aflige o país e parece nunca terminar.
Crises acabam com nossa esperança. Perdemos o tesão em viver. Se sonhamos em ser pais, temos medo de trazer alguém ao mundo só de pensar no que essa criança vai passar no futuro. Deixamos de comprar coisas e tentar racionar tudo o que podemos. E no fundo nos sentimos sozinhos. Pois a vida de todos parece dar certo, menos a nossa própria.
E aí vemos que o tempo passou. E não há mais nada pela nossa frente.
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