Aquele que ressuscitou para viver em nossos corações.


Acho que a primeira memória que tenho do tio Gerson foi numa festa em Gavião Peixoto. Eu devia ter uns dez anos, e ele disse: "Você nem deve se lembrar de mim, né?". Eu o tinha conhecido anos antes, na festa de casamento da tia Nádia. Eu efusivamente o respondi: "Mas é claro que eu lembro!". Hoje ele mora apenas no meu coração. Ele partiu desse mundo faz um mês hoje.

A gente adorava beber cerveja juntos. Ele sempre me oferecia uma — talvez a única forma de enfrentar aquele calor do interior de São Paulo. Acima de tudo eu adorava ouvir as estórias dele. Me impressionava o quão bom era o coração dele, o quanto que ele se dedicava em realizar os sonhos dos netos.

Eu adorava ouvir todas as suas estórias. Eram todas relatos maravilhosos sobre a vida, sobre como as coisas mudam, e acima de tudo o que as pessoas nos deixam. Eu ficava horas ali ouvindo, e meu avô me perguntava onde eu estava, e eu sempre dizia que eu estava lá "bebendo cerveja com o tio Gerson". Mas a cerveja era o de menos, era uma Cristal que se acha em qualquer esquina. A riqueza estava em ouvir tudo aquilo que aquele meu tio tinha para contar.

Ele era muito inteligente. E mesmo que não tivéssemos uma ligação consanguínea — a esposa dele que é irmã do meu avô — eu sentia que ficaria feliz se herdasse dez por cento daquela genialidade. Tio Gerson podia ter para lá dos oitenta, mas fazia de tudo: pintava, construía, reformava, e sabia usar como ninguém qualquer ferramenta ou instrumento. Era um verdadeiro multi-tarefas, e mesmo com a idade avançada, não deixava nada o abalar.

Conversar com ele era sempre uma viagem no tempo com doses de reflexões sobre nossa vida. De maneira muito simples me arrancava um sorriso, fosse qualquer fosse o papo: seja o cinema que existia em Nova Paulicéia, ou quando o papo era sobre mulheres, ou quando ele dizia para eu acreditar mais em mim e correr atrás do que me faz feliz. E das imensas dificuldades que existem de ser adulto.

A cerveja que marcamos foi sendo adiada. Eu já não ía mais no interior, meu avô estava cada vez mais insuportável por eu ser a vergonha da família. O neto desempregado e sem futuro, o vagabundo inútil. Mas eu poderia tê-lo visitado na sua casa em São Paulo. Eu poderia ter ido junto do meu irmão entregar o convite de casamento dele. Eu poderia simplesmente ter pego um ônibus, ou saído do casamento da Gabi que era lá perto e ter ido visitá-lo.

Mas o problema é que a gente sempre acha que pode fazer isso amanhã. Mas chega um tempo em que não existe mais o amanhã.

Quero lembrar do meu tio não magro e com os olhos fundos lutando contra o câncer. Quero lembrar desse espanhol sorridente, que me abraçava dando tapinhas nos meus ombros. Que dizia que adorava conversar comigo. Que me colocava para cima nas poucas vezes que tivemos a chance de ficarmos juntos. E que sempre me fazia rir com seu jeito simples, e me fazia refletir com suas reflexões sinceras sobre a vida e nossa trajetória.

E além de tudo isso, tio Gerson não se chamava assim. Seu nome mesmo era Jesus. Mas o funcionário do cartório não queria deixar que ele fosse batizado assim, então ficou Gerson mesmo. Ele partiu desse mundo, mas, assim como o seu homônimo, ele ressuscitou. Para viver em nossos corações.

Hoje abri uma cerveja em sua homenagem. E pude sentir, no meu coração, você aqui junto comigo.

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