Um coração repleto de esperança e gratidão.


Deve fazer uns vinte dias que, subitamente a Nini ficou fraquinha. Foi um grande choque pois, uma vez que ela era vira-lata, nunca a vi doente. Ela ficava quietinha na caixinha dela, deitada, sem querer papo com ninguém. Como ela não estava comendo, começamos a ficar preocupados. Mas ao mesmo tempo cientes de que ela já estava muito velhinha. E que ao menos seria nossa obrigação deixar seus últimos momentos os mais agradáveis possíveis.

Ela chegou filhotinho em casa. Estávamos tendo problemas com ratos no sótão de casa. E com um gato em casa não demorou muito para que isso se resolvesse. Morávamos ainda na casa antiga, antes da reforma. Achávamos que era um gatinho macho, então demos o nome de Trulli, por conta do corredor de F1, o Jarno Trulli. Tudo parecia bem até ali por volta de julho de 2007, quando nosso gato apareceu grávido.

Era uma fêmea. Então mudamos o nome pra "Nini". Meu pai a chamava de "Gagá", e ela sempre atendia ambas as pessoas.

Demoramos pra castrá-la, o que resultou em duas ninhadas com pelo menos uns sete ou oito gatinhos. Enfim as castramos, e ela ficou muito caseira.

Nini era quase que uma porteira. Ficava em cima do carro do meu pai olhando quem chegasse. Sempre que eu chegava e a via ali em cima, eu passava a mão nela. Era uma gatinha que parecia entender a gente, sempre soltava "miaus" de resposta, era com quem a gente conversava com a vida — mesmo sem conseguir lá uma resposta muito precisa.

Todas as plantinhas que eu germinava ela ia lá e mordia. Teve várias que perdi justamente por conta desse hábito dela — que depois era transformado em vômitos verdes por todo o quintal. Mas ela sempre estava lá, carinhosa como sempre.

Mas o tempo e a velhice são implacáveis. Lembro que pouco antes dela adoecer, ela soltava aqueles miados graves que gatos soltam quando comem algo que não deviam. Mas ela sempre teve uma saúde de ferro, então achei que era apenas mais uma crise intestinal que seria resolvida com um vômito ou dois.

No entanto, ela começou a ficar cada vez mais quietinha. Não tinha mais aquela vida. Entramos com remédios veterinários, mas ela não queria comer mais nada. Nossa última opção foi um mingau, que minha mãe sempre preparava, e eu turbinava aquilo com vitaminas. Ela estava andando pouco, e quando andava era cambaleante. Mas estávamos esperançosos vendo alguma melhora nela. Ao mesmo tempo esperávamos pelo pior também, pois a idade não contribuía.

Nessas últimas semanas foram intensas. Acho que quando estamos tratando de alguém doente, existe sim uma esperança de que quem nos é querido melhore, e volte para a normalidade. A gente se apega a uma esperança e não solta, nos dedicamos de maneira sincera, por mais que deixemos de nos dedicar a nós mesmos. 

Talvez toda essa sinceridade seja pois estar com aquele serzinho vivo do nosso lado é termos essa ligação com algo de dentro da gente que possui uma vida fora do nosso próprio corpo. Então cuidar disso, mesmo que faça a gente renegar muita coisa para nós mesmos é, ao mesmo tempo, cuidar da gente. Pois ali está a nossa felicidade. Ali está algo que faz parte de nós mesmos.

Por outro lado havia também a possibilidade dela partir. Eu só tinha agradecimentos a tudo o que ela foi. Uma gatinha carinhosa, que sempre tinha miados felizes, nunca deu trabalho — exceto talvez as duas gravidez indesejadas — nunca adoeceu, e protegia a casa como uma leoa defendendo sua família. Eu queria que ela partisse com um mínimo de dignidade, não definhando ou sofrendo. Se eu fosse perder tempo do dia a alimentando na boca, eu faria isso até quando fosse necessário. Pois se ela fosse partir, meu coração estava repleto de toda a gratidão por toda a felicidade que ela me proporcionou.

E acho que isso foi o que no final se realizou. Hoje eu dei papinha para ela de manhã, ela estava mais cansada que de costume. Voltou a dormir e eu fui fazer os afazeres de casa. Quando minha mãe chegou e foi falar com ela, viu que ela não respondia. Seu corpo já estava rígido e ela não respirava. Nini partiu em silêncio, dormindo, e eu me senti grato por ter compartilhado meu ínfimo tempo nesse planeta com esse bichinho, e feliz por ela ter enfim descansado. Foi uma grande jornada, e agradeço por ter trilhado essa etapa com você ao meu lado.

Obrigado por tudo, Nini.

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