Devia ter mandado a moça do caixa cuidar da própria vida.


Era a terceira ou quarta pessoa que me elogiava por ter cortado meu cabelo nessa semana. Pensei no quanto talvez minha cara estivesse péssima, todo maltrapilho. E então, da noite pro dia, parece de novo com gente decente. Fazia tempo que não ouvia elogios expontâneos. Poderia parecer algo bom, inicialmente. Mas foi um gatilho pesado para questionamentos internos.

Uma senhorita no caixa do mercado ao me ver teceu um desses elogios. Eu agradeci, disse que não era nada demais, eu tinha apenas cortado o cabelo e feito a barba. Enquanto estava pagando a compra, ela disse o quanto eu parecia jovem com o novo penteado, e eu comentei que eu era jovem, apenas era um pouco mais grisalho que o normal.

Nesse momento ela perguntou minha idade, e eu disse trinta e três. Ela disse que não era para tanto, pois ela era apenas um ano mais velha que eu.

Depois me perguntou se eu tinha filhos, e eu disse que não. E perguntou se eu estava solteiro, eu disse que sim, eu estou. E para concluir me perguntou o motivo de eu estar solteiro.

— Eu tenho muito azar com relacionamentos, moça. Você não tem noção.

Mesmo eu dizendo aquilo com tom de sarro de mim mesmo, ela me olhou sério. Me olhou com até um pouco de pena. E então me veio vários pensamentos naquele ínfimo pedaço de segundo. Pensei em como é ruim viver no loop da depressão. A gente fica preso nesse círculo de viver no automático, sem querer acordar, vendo e vivendo uma vida cheia de tristeza e desgraças, mas infelizmente o tempo está passando.

Talvez com trinta e três era para eu estar pelo menos em umas quatro ou cinco fases avançadas na vida.

Pensei em como seria com pessoas normais. Um primeiro beijo com quantos? Dez ou onze? Comigo foi aos quatorze. A primeira transa com uns quinze ou dezesseis? Comigo foi aos vinte. Namorar firme com uns vinte e dois, ou vinte e cinco? Para mim eu sequer cheguei nessa fase. Simplesmente nunca deu certo com nenhuma. Zero.

Para um cara de trinta e três talvez era para ter uma esposa me esperando em algum lugar. Viver em uma casa e ter uma carreira também. Eventualmente filhos, talvez? Afinal eu fui um dos únicos da minha geração que passou a adolescência sem uma gravidez. E mesmo quem passa sem gerar um rebento por ela, eventualmente acaba fazendo um depois dos vinte. Nem que seja acidentalmente numa transa sem compromisso.

No entanto, por nada disso eu passei. E até acho bom, por um lado. Eu não quero ter filhos, acho que a vida é uma desgraça, só existe tristeza e decepção nesse mundo. Não existem motivos sérios, pelo meu ponto de vista, de trazer alguém a esse mundo de sofrimento.

No final, depois que ela viu meu embaraço por conta de estar sozinho, ela disse algo como: 

— Tomara que deus te faça encontrar logo uma mulher, moço.

Pois é, tomara. Ter relacionamentos faz não apenas parte da vida, mas os laços que se criam quando temos uma parceira é essencial também para nossa vida plena como seres humanos. Afinal, nascemos como esse estranho bicho social que quando tenta viver sozinho, tem uma existência muito aquém de quem não vive assim. Falta algo essencial, mesmo que o relacionamento não seja lá cem porcento. Já é um avanço muito maior de quem tenta viver sozinho.

Seja pelas circunstâncias que a vida me apresentou, pelos incontáveis foras que tomei de garotas, ou mesmo pelas tentativas de namoro que nunca deram certo, seria bom se essa que esse tal deus reserva pra mim desse as caras. Tá um pouquinho atrasada já.

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