O barulho do copo batendo no mármore.


Era sempre do mesmo jeito. O barulho da rolha sendo tirado da garrafa. Depois o líquido despejando dentro do copinho de pinga. A rolha era colocada de volta e a garrafa posta no lugar original. E então eu não ouvia nada, pois o copo havia sido erguido e estava bebendo aquela cachaça. Em seguida ele fazia uma cara azeda, o rosto inteiro se retorcia, e batia o copo no mármore da pia. Depois uma bufada forte, com aquela face espremida pela acidez do álcool fosse aos poucos retornando ao normal.

Mas nada daquilo era normal. A tristeza de ter que conviver com um pai alcoólatra talvez seja tão triste quanto de ter um filho drogado.

Muitas vezes eu culpava minha mãe por ter um dedo tão ruim para homem. Se apaixonou por um cara que até poderia ser trabalhador, mas desde a tenra idade já tinha contato com álcool. E talvez todo esse uso extenso tenha trago diversos problemas de formação cerebral: nada ali funciona muito bem por muito tempo se a bebida não entrar eventualmente.

Talvez o cérebro já tenha se acostumado, pois quando ele tenta parar, ele sofre de uma grave crise de abstinência. Poderia dar certo se ele buscasse alguma ajuda profissional, ou mesmo um tratamento para o alcoolismo. Mas um homem cheio de vícios como sempre foi meu pai, acha que ele pode ser o dono do próprio destino. Que se ele quisesse parar de beber, era só uma questão de esforço. Mas isso nunca esteve no horizonte dele. Acho que tentou algumas vezes, mas o cérebro só sabe funcionar sob o efeito da maldita bebida.

Não temo que a bebida acabe com sua saúde, ou lhe retire tempo de vida. Francamente acho que ele merece um descanso mesmo, ele sofreu muito na vida, e as coisas só tem piorado com o envelhecimento.

O problema é que ele não fica bobo ou engraçado quando bebe. Ele fica insuportável e violento.

Desci para o almoço de domingo e vi ele indo até aquele mesmo canto da cozinha, do lado da geladeira, e colocando a cachaça no copo. Uma garrafa nova, que eu não tinha visto ainda. Ele viu que eu estava olhando, mas talvez já tenha tanta vergonha que faz aquela cara de quem está me vendo, mas não me enxerga. Eu ficava olhando para aquele copo com uma expressão de ódio, lembrando de tudo aquilo o que eu sofri quando o álcool entrava na corrente sanguínea daquele homem — e aquela pessoa bondosa virava o diabo na Terra, me xingando, dizendo que eu não devia ter nascido, me ameaçando de me expulsar de casa quando eu era criança, e que eu era uma decepção para ele.

Pai, falando de maneira bem sóbria, eu tenho que dizer que você que é minha maior decepção. Fico imaginando no quão diferente poderia ter sido a nossa vida, com você sendo um amigo, ouvindo e me aconselhando. Ao invés de ficar com sua família, você preferia ir para o bar do seu Silvio, e chegava em casa todos os dias enfurecido, xingando todo mundo, só nos trazendo sofrimento.

Minha mãe dizia que eram os espíritos de macumba da sua família ocultista. Mas nunca foi. Sempre foi o álcool. Uma droga maldita, que vejo tanta gente ficando dependente tão cedo, e de maneira tão intensa, que tenho dúvidas se será possível contar o número de gerações e famílias destruídas pela pinga — tratada como diversão por tantas pessoas, como algo festivo, mas que para outros acaba sendo uma verdadeira desgraça, destruindo lares, condenando gerações, causando mortes e tristeza ao redor do mundo.

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