Livros 2022 #11 - História de quem foge e de quem fica (2013)



Depois de todos os acontecimentos do segundo livro, achei que dessa vez seria um livro bem mais tranquilo. E como é bom estar enganado! Elena Ferrante sempre entrega, e vou admitir que ver a Lenu e a Lila entrando na vida adulta — especialmente por ser tudo, menos tranquila — é garantir um "eita" atrás de "vish" a cada capítulo. E isso prende a gente de tal maneira no livro, que fica impossível de largar.

Eu estava querendo terminar o livro antes de começar a terceira temporada de "My brilliant friend", grande sucesso da HBO/Rai, onde cada temporada é baseada em um livro diferente da tetralogia. Gosto muito do jeito que a Elena Ferrante amarra a trama, deixando poucas lacunas. Mas acima de tudo eu adoro como ela coloca tudo com muita naturalidade. Acho que o maior êxito de um romance (uma ficção) é saber amarrar os acontecimentos, mesmo os mais improváveis e inesperados, de tal maneira que a gente ao ler vê tudo com naturalidade, e esquece de que aquilo é uma invenção, e não a realidade.

Elena Ferrante continua impecável em mostrar o que se passa no coração das personagens. Uma coisa que fica dificílima de se fazer quando se transporta para a televisão — por mais talentosas que sejam as atrizes, somente o livro é capaz de fazer a gente entrar na mente dos personagens e saber tudo o que se passa lá. E saber tudo o que as move é algo que nos faz acabar mudando de lado várias vezes. Ás vezes a gente defende uma, depois critica outra, pega ranço de alguém, ou acaba gostando de quem jurávamos que nunca iríamos gostar.

E acima de tudo tem um plano de fundo histórico muito doido: Os Anni di piombo — os Anos de chumbo italianos — que perdurou na Itália entre os anos 1960 até 1980. Foram anos turbulentos, e de muitas mudanças sociais, onde ambos os extremos se digladeavam: os neofascistas da Nova Ordem de um lado, os comunistas da Brigada Vermelha de outro, e os Carabinieri do lado do governo, exemplificam bem como a Guerra Fria chegou na Itália. Muitas revoltas do proletariado, ao mesmo tempo muitas retaliações, mortes misteriosas e terrorismo doméstico. E os personagens do livro inevitavelmente se envolvem, se colocam dentro de suas ideologias, e a gente fica esperando só os embates que vão acontecendo.

Eu adorei o segundo livro. Especialmente a inesquecível parte de Ísquia. Mas esse terceiro livro é muito melhor do que os outros que já li. Mal posso esperar para ler a conclusão da Tetralogia — mas já sei que não vou com expectativa de que a poeira vá se assentar não. Já explodiu várias vezes, acho que a tendência do livro final será tudo vir abaixo!

Veremos.

SPOILERS ABAIXO
Depois não diga que eu não avisei!

Acho incrível como o Nino Sarratore é um personagem que dá muita raiva. E pelo menos no começo eu tive a sensação de que ele havia enfim tomado jeito — o problema ali é a Lenu, que mesmo com um cara super bacana e compatível como o Pietro Airota, quer se entregar a esse manézão do Sarratore. Mas, apesar da vontade, as coisas não acontecem. Pelo menos não nesse começo do livro.

A coisa que eu mais gostei desse terceiro livro é que, enfim, a Lenu é desenvolvida como personagem. Durante todos os outros livros ela era uma personagem muito genérica e sem graça, mesmo sendo a narradora da história. A única coisa que ela tinha mesmo era essa amizade e submissão doentia com a Lila, que é a real protagonista dos outros livros.

Mas por conta dos eventos do final do segundo livro, a Lenu enfim dá um chega pra lá na Lila e resolve viver a vida dela. Isso no começo me fez pensar que seria um livro muito tedioso, pois nas poucas vezes que a Lenu brigou com a Lila nos outros — e consequentemente tomou as rédeas da estória — foram partes muito arrastadas, pois a Lila era quem carregava o livro nas costas. Carregava, sim, no passado, pois as coisas mudam radicalmente nesse livro. Nem parece que é a mesma Elena Greco dos outros livros, parece uma nova personagem que nunca se mostrou, e nisso a Ferrante acertou em cheio.

É muito doido ver aquele monte de coadjuvantes pequenos dos outros livros ganhando alguma ligação, como a Nadia, Mariarosa, Franco e a novata Silvia. Personagens que eu achava que passariam e nunca mais voltariam, e ganham uma importância bem bacana no decorrer dos acontecimentos.

São 92 páginas sem Lila no começo, até que a Elena é chamada para vê-la, pois ela está "passando mal", e então um longo flashback é apresentado. Vou admitir que todo esse começo, essa Lenu reconstruída e independente da amizade com a amiga tóxica, me cativou muito! Eu nem lembrava mais que a Lila existia, mas aí ficamos sabendo de todo o envolvimento da Lila com os comunistas, com os movimentos de defesa de direitos dos trabalhadores, que é bem interessante. Mas percebi ali que a Lila sozinha é uma personagem bem fraca. É apenas uma mulher birrenta bem chatinha. Com a Lenu, com toda aquela visão distorcida, essas birras viram aquelas coisas monumentais. Mas sem a Lenu a Lila fica apenas uma menina chata e enjoada.

É muito triste ver o Gennaro, filho da Lila, em que ela imputava tantas esperanças, se mostrar na verdade uma criança de inteligência comum (ou até abaixo da média, eventualmente). O que machuca mesmo é ver que ele acaba reproduzindo os comportamentos abusivos contra mulheres que ele observa, especialmente contra a Adele, filha mais velha da Lenuccia. Por outro lado, dá um conforto no coração ver a Lila se juntando enfim com o Enzo Scanno, o filho do verdureiro. O mais pobre era o cara de maior coração. 

No entanto, como eu disse, o livro é cheio de surpresas. Acho que uma das primeiras é descobrir que a Lila não é tão segura de si sexualmente como ela dizia ser — não manjava de nada, parecia nunca ter sentido um orgasmo na vida, e a Lenu tem sérias convicções que Gennaro na verdade é filho de Stefano, e não de Nino. E isso é apenas o começo.

Antonio se revela gay, mesmo num relacionamento de fachada com a irmã de Nino. O próprio Nino Sarratore fica fazendo filho em todo canto da Itália com seus galanteios. Mas ali no meio do livro o mundo desaba quando descobrimos que Michele Solara é completamente apaixonado por Lila, secretamente. O camorrista tem sentimentos justamente pela menina que o irmão tentou se casar, pelo amor de deus!!

E então enfim Lenu se casa com o Pietro, e as filhas começam a vir: Adele e Elsa, onde a primeira ela apelidou de "Dede". E nesse meio tempo, entre gravidez e primeiros anos das suas filhas, muitas coisas acontecem no bairro onde elas nasceram, em Nápoles. As que mais me chocaram foram: Lila e Enzo começarem a trabalhar para Michele Solara, coisa que eles prometeram que nunca fariam de maneira alguma, a Elisa, a irmã de Lenu, estar noiva de ninguém menos que Marcelo Solara.

Esses acontecimentos tão inesperados, coisas que era impensáveis nos outros livros, acabam de certa forma causando muitas reflexões em Lenu. Como a própria Lila brinca: "Nas fábulas se age como se quer, na realidade se faz o que se pode". E acho que vendo todas as convicções se desmoronarem, para Lenu só faltava mesmo a justificativa — pois a vontade de também chutar o balde como todo mundo ao seu redor fez fica inevitável.

E então Nino Sarratore reaparece. Convidado pelo próprio marido da Lenu, o Pietro, começa a viver com eles. Não demora muito para que Lenu enfim se entregue para Nino, mas o que ele mostra é alguém muito aquém daquele personagem idealizado por ela: um homem totalmente inseguro, paranóico, e ciumento de maneira doentia.

Porém para Lenu a idealização era forte, e ela começa a aceitar tudo aquilo. Afinal ele é o Nino idealizado, o homem que ela sempre quis, e agora enfim ela podia chamar de seu. Chega ao ponto de se render às loucuras do Nino, pedindo para ela se divorciar e fugir com ele, abandonando as filhas e tudo mais. E no final do livro é exatamente isso o que acontece: ela se divorcia de Pietro e foge com Nino, esse grande bosta.

Nem sei o que esperar do quarto e último livro.

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