A igualdade que tantos falam.
Esses dias comecei a ouvir ao podcast "Abuso", apresentado pela Ana Paula Araújo e produzido pelo Globoplay. E fiquei refletindo bastante sobre uma fala que era dita lá: que não é questão se a mulher vai ser violentada. Mas quando. Não que isso não seja novidade nesse mundo, mas ouvir uma coisa tão complexa sintetizada de uma maneira tão precisa, numa semana onde um anestesista facínora é mostrado estuprando uma mulher enquanto dá a luz, me fez brotar várias reflexões sobre a vida.
Mudanças sempre são uma coisa que incomoda a nós, seres humanos. Imagino que foi por temer a mudança que ficamos talvez uns 288 mil anos desde que nossa espécie surgiu apenas vagando pelo mundo coletando e colhendo. Havia uma incerteza, não sabíamos se daria certo plantar coisas e se estabelecer em um local. Por muitos anos ficar vivendo de forma nômade foi o padrão que havíamos estabelecido. Foi em um período muito curto em que a primeira lavoura se tornou o supermercado da esquina.
Nós só conseguimos exercer nossa plena capacidade quando alcançamos a estabilidade. E a estabilidade só é alcançada por meio da igualdade.
E hoje vivemos imersos numa época de mudança. O que as feministas vêm nos ensinando, desde as pioneiras Mary Wollstonecraft e nossa brasileira Nísia Floresta, chegando até as grandes (e incontáveis) expoentes atuais é buscar essencialmente uma sociedade igual. Um local onde todos nós possamos nos desenvolver em nossa plenitude em todos os campos da vida.
Que mulheres possam caminhar na rua sem medo de serem raptadas e abusadas, sem serem alvo de cantadas nojentas na rua, poderem usar as roupas que quiserem, e decidirem sobre seu próprio corpo, carreira, e seus parceiros. Coisas que são todas permitidas para nós, homens, mas que mulheres vivem sem esses poderes de decisão por imposição da sociedade machista em que vivemos. A desigualdade em sua melhor definição.
Ser mulher é nunca conseguir se sentir segura. Pois o assalto — e aqui uso a palavra no sentido de "acometimento repentino" — sempre virá. E o nível de covardia não tem limite.
Ver um anestesista fazendo o que fez com uma mulher sedada enquanto estava no parto, me faz pensar no nível de sadismo que existe nesse mundo. Difícil de imaginar o que se passa na cabeça de um facínora como ele ao fazer algo desse tipo.
Não é tesão. O gostoso de uma relação sexual, para ambos os sexos, é o consenso. É você querer fazer, seu parceiro(a) querer também fazer, e por estar em um ambiente onde ambos possam buscar o prazer mútuo. É o carinho, é a atenção, é o olho no olho. O ato é o de menos, a verdadeira joia é o antes e o depois, em tudo o que foi construído e tudo o que irá construir.
A ereção ali transformou o pênis em uma arma. Não é aquela coisa gostosa que fazemos com nossas namoradas com amor envolvido. Era pura e simples violência.
Onde reside a necessidade da subjugação. Transformar uma coisa natural que temos, que é o sexo, em violência. Era se aproveitar de que ela estava em um momento de fraqueza e tomar vantagem de maneira desleal sobre a mesma. Pois no fundo, ele é uma pessoa fraca. Uma pessoa que precisa fazer uso de violência para conseguir o que ele não consegue sem ela.
Alguém que não deve ter a capacidade de criar e cultivar um relacionamento com alguém pois só conhece relações com base na violência e covardia. Se aproveitar de alguém inconsciente para cometer um abuso é o ápice da covardia humana. Uma pessoa que se sente bem fazendo isso possui um problema sério com sua moral.
E a raiz disso tudo é, voltando ao citado no começo do texto, a maldita capacidade da gente achar que é melhor e que o outro é mais fraco. Ao ver a mulher desacordada, o sexo virou a arma que ele tinha no momento para mostrar que era melhor. Forçar ela em algo que não havia consenso, pois era ele, o homem, com o poder ali. E por ser mais forte havia a necessidade de reafirmar isso.
Quando o feminismo diz que o objetivo é trazer igualdade entre os gêneros, a gente vê que isso vai muito além de qualquer definição superficial. Se esse anestesista facínora visse aquela mulher dando a luz como alguém que estivesse em mesmo pé de igualdade, que merecesse o mesmo respeito, carinho e admiração, nada disso teria ocorrido.
Os que lutam pela desigualdade são os que acham que a igualdade não faz parte da natureza. Fazemos parte da natureza como apenas mais um animal, mas por termos uma consciência levemente desenvolvida, só conseguimos nos desenvolver em plenitude quando todos possuem as mesmas chances, as mesmas oportunidades, e os mesmos privilégios. A desigualdade só serve para poucos que estão no topo da pirâmide. Buscar um mundo igual é quando todos nós crescemos e damos oportunidades para todos, por igual, evoluírem.
Quando uma mulher é considerada inferior, ela acaba sendo alvo de estupros como esse e tantos outros. Como ela vai se desenvolver, buscar sua vida, suas realizações, se ela pode viver algo traumático que vai assombrá-la pelo resto da vida? Viver com medo, impossibilidade de mostrar seu melhor, pois atos como esses só servem para rebaixá-la e lhe tirar a dignidade.
É por essa igualdade que o feminismo luta. Por mulheres deixarem de serem simplesmente alvos da subjugação masculina. Para que só assim, um dia, possam também ter a mesma chance de nós homens: de poderem se desenvolver por completo sem nada que as impeça.
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