Era a paixão que me fazia acordar todo dia.


Parece que viver algo intenso pode fazer a gente acabar cruzando a outra borda. Uma fronteira onde aquilo que havíamos sentido não existe mais. Como se cada coisa intensa que vivemos vai nos empurrando da base até o gargalo. E uma vez que esse conjunto de intensidades nos empurra para fora, não tem mais como voltar. Pois a vida acaba sendo esse acúmulo de experiências, até que nos transborde. E depois de uma vida de paixões, sinto que perdi essa coisa que tanto me fazia querer seguir em frente.

Por que viver com paixões e sonhos é algo tão essencial para uns e descartável para outros?

Creio que quando eu era criança, por toda a criação muito difícil que tive dos meus pais, eu criava outras realidades para onde poderia fugir. Um mundo onde não havia o pai alcoólatra que sempre brigava comigo, onde meus pais não brigariam e eles não me usassem como moeda de troca, onde eu teria uma mãe que me defenderia do meu pai, ou mesmo que eu receberia o carinho que meu irmão mais novo sempre recebia.

E talvez por viver essas realidades paralelas, me sentia bem, pois eu estava fugindo de tudo aquilo o que me fazia sofrer. A realidade sempre foi algo muito dura para mim. Mas a vontade de viver aquilo que tanto estava na minha cabeça era o que me movia. A esperança, as paixões.

Acho que foi por conta disso que eu me apaixonava por garotas desde muito cedo. O que para a criançada de hoje parece impensável, na minha época era bem comum. Talvez fosse uma geração um pouco mais precoce, não sei. Mas acho que como eu não recebia todo aquele carinho por parte da minha família, eu queria ter uma namorada para que eu pudesse dar e receber esse carinho.

Será que tudo o que eu buscava era um relacionamento mais puro, no final das contas? Ter uma amiga, alguém para cuidar de mim, alguém que eu pudesse proteger também. Não havia nada de sexual no meu pensamento infantil. Era mesmo para resolver essa carência que havia dentro de mim.

Isso ajuda a explicar as inúmeras vezes que eu me apaixonava. Óbvio que nenhuma delas deu certo, por motivos óbvios — se não alguma delas estaria eventualmente ao meu lado como minha parceira. Mas aquele sentimento e a vontade de ter um relacionamento puro assustava as garotas no geral.

Talvez o mundo as tenha acostumado a se relacionar como os homens: não há profundidade. Menos ainda a vontade de se construí-la. O que há é apenas um desejo. A pessoa marca, vão para um motel, fazem o que tem que fazer, naqueles dez ou vinte minutos onde apenas eles existem, e depois cada um segue sua vida como se não se conhecessem. Parece uma visão bem machista, mas virou a regra também com as mulheres se comportarem assim.

Jogar com as regras dos homens, do sexo casual, virou a regra para que mulheres ao menos pudessem satisfazer seus desejos. Afinal, quem consegue se conhecer no meio de gemidos, chupadas de rola, ou metidas de quatro? Será que alguém pergunta qual é a música que o outro mais gosta, que filmes te emocionaram, ou qual os planos para o futuro no meio daqueles quinze minutos de mero desejo?

Mas o que mais me preocupa é que sinto que eu perdi a capacidade de ter essas paixões. Era isso o que me movia, o que me fazia ao menos ver um pouco de beleza no meio de toda a desgraça. Quando eu conhecia uma garota, e ela tocava meu coração, era quase como se eu entrasse num daqueles mundos do La La Land. Mas nunca havia outra garota para entrar nesse mesmo mundo, pois o paradigma de relacionamentos era outro.

O sinal do aprofundamento da depressão foi esse. Perder as paixões. Desde a última, que escrevi nessa postagem, nada aconteceu parecido. Será que esse foi o ápice? Foi aquela última coisa tão intensa para fechar uma existência de diversas emoções nesse sentido?

Nossa realidade é muito cruel. O mundo é um lugar nefasto e repleto de maldade. Mas a capacidade de sonhar — e aqui incluo não apenas as metas da vida, mas também as nossas paixões — não existem para que a alcancemos. O que importa não é o destino, e sim a viagem. Pois quando sentimos motivados a chegar lá, ganhamos vontade de viver, e com essa motivação, superar as dificuldades.

Pode ser que se alguma das vezes que eu me apaixonei, uma louca poderia ter aceitado, e talvez eu veria como relacionamentos são complexos, difíceis e cheios de sofrimento. Mas, assim como acontece quando corremos atrás de um sonho, a nossa energia vital deve estar em sermos como o cachorro que corre latindo atrás do carro: ele não sabe o que vai fazer quando alcançar o carro, mas ainda assim ele corre. Pois é a expectativa que o faz correr. Assim como os sonhos e paixões nos fazem correr.

Acho que foi na adolescência que cada um dos meus sonhos foram sumariamente mortos. Querendo que eu trabalhasse na mesma firma que meu avô e meu pai trabalharam, este último projetou em mim como uma continuação dele, que seguiria a mesma carreira, mas não cometeria os mesmos erros que ele.

Mas eu sou eu.

Queria voltar a me apaixonar. Queria reaprender a sonhar. Mas ultimamente ando tão cansado e deprimido que não consigo mais imaginar um futuro diferente. 

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