Talvez as toupeiras sejam felizes.


Acho que quem critica a carência dos outros é quem nunca sentiu o que é isso. Gente que tem como dizer que possui uma família atenciosa com quem você possa se abrir, um parceiro que namore ou esteja casado, ou muitos amigos quem encham o saco todo o dia. Como eu já disse antes, não acredito nessa de que "temos que amar a nós mesmos antes de amar os outros". Pois se amarmos a nós mesmos não ficaremos mais atraentes. Seremos autossuficientes de afeto. Mas ser esse último acho algo genuinamente impossível na nossa espécie.

Tenho muito inveja das toupeiras. Bichos que vivem sozinhos, e se autossustentam. A toupeira tem tudo o que precisa com ela, tem garras para cavar seus túneis, força para caçar seu alimento, e não precisa se preocupar com sua comunidade pois até seus túneis são feitos apenas para um único indivíduo.

Porém nós humanos somos na verdade muito frágeis. Nós só evoluímos de australopithecus para homo sapiens pois vivíamos em grupo — com todas as vantagens e desvantagens que elas carregam. Conseguíamos acumular o conhecimento e ensinar para os outros criarem facas e machadinhas para cortar a carne da caça. Mas ao mesmo tempo guerreávamos por território com a tribo vizinha com a mesma tecnologia. Coisas boas e coisas ruins.

E essa necessidade de estar junto de outras pessoas virou algo essencial na nossa vivência. Tanto que pessoas muito solitárias — que essencialmente talvez não sejam simpáticas ou simplesmente queiram um tempo sozinhas — acabam sendo vistas com estranheza por alguns. E assim, isolados do grupo. 

E por conta do "viver em grupo" da nossa espécie, isso traz também atribuir significados semelhantes que o grupo tenha definido para sermos aceitos dentro dele — criamos asco por alguém que não se socializa, e logo o grupo inteiro define aquilo como ruim, como um efeito de manada. Isso foi sempre essencial para nossa convivência em grupo, pois tentar manter uma unidade foi o que fez com que certas características evolutivas fossem passadas para a próxima geração.

Em outras palavras, o antepassado antissocial não procriava, não era aceito no grupo, e morria. Os que tinham aptidão social eram os que passavam os genes, e assim uma característica morria. Ao menos em partes, como abordarei a seguir.

O facto da carência humana existir era algo que devia fazer parte da nossa sobrevivência. Viver sozinho seria uma sentença de morte, sem você ter uma tribo onde pudesse caçar e coletar comida junto. Logo talvez isso foi passado de geração em geração, e os nossos antepassados que tentavam viver sozinhos desenvolveram a carência para que eles mesmos sentissem a solidão como algo ruim e fossem atrás de companhias — algo que as queridas toupeiras não sentem.

Talvez pessoas que dizem "viver bem sozinhas" sejam na verdade as pessoas que mais possuem pessoas à sua volta. Nossa essência é extremamente frágil, dependemos desde do agricultor familiar que planta tomates, como o gari da rua. Ou mesmo quando se sentem sozinhas, podem recorrer a amigos, sair para beber, e se quiser sexo pode conseguir com algum contatinho no whatsapp.

Aceite sua carência humana como algo normal. Algo tão natural como poder transformar oxigênio em gás carbônico nos seus pulmões, em alimentos em energia através de seu intestino, ou a vontade de copular ao encontrar uma pessoa atraente. Tentar viver no estilo de uma toupeira, especialmente se você é um humano, é deixar de viver a experiência humana em sua totalidade com todos seus altos e baixos.

Vai sofrer correndo atrás de alguém? Ou mesmo passar raiva com seu namorado/a ou marido/esposa? Isso faz parte, é uma das coisas ruins que os relacionamentos humanos trazem. Não tem como ser bom o tempo todo. Mas existem momentos bons, existem memórias que serão construídas. E existe a possibilidade de nós nos desenvolvermos em nossa capacidade plena — eventualmente do mesmo jeito que estejamos vivendo há milênios, desde antes das cidades, da agricultura, e da tecnologia. Pois são esses milênios de evolução e adaptação que importam. Não os paradigmas de relacionamentos do século XXI.

Viver com a carência é algo essencialmente triste, e deixamos de poder usar ao máximo nossa capacidade. Mas parece que essa crença atual de que temos que saber viver conosco e amar a nós mesmos antes de viver com outra pessoa só vai criando duas coisas: pessoas que deixam de viver suas vidas em plenitude pois ficam negando o que há na base de nós como espécie (viver em grupo, construir laços), e nessa busca que não vai resultar em nada perdem o que não pode ganhar de volta: tempo.

E num mundo onde não existe deus, a única coisa que temos é a que sempre tivemos desde a aurora da vida: tempo. Tempo para ser feliz com uma pessoa, tempo para fazer amizades, tempo para viver um amor, tempo para ter uma família, e todo o resto.

* Atenção: Isso tudo eu TIREI DO MEU CU. Busquem sempre artigos científicos sérios, e evidências sociológicas/antropológicas acadêmicas consistentes, e não textos de um blogueiro bosta como eu.

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