Livros 2022 #20 - O quarto de Giovanni (1956)
Um dos muitos temas que me atraem são os que tem temática LGBTQIA+. Eu nasci hétero e cisgênero, o que é muito sem ordinário e sem novidades, não tem como se negar o quão privilegiado nessa sociedade preconceituosa eu sou. Ver conteúdos assim expandem muito minha visão de mundo — experiências de um tema que eu não teria como vivenciar, dado às minhas circunstâncias. O Quatro de Giovanni é um livro visionário para sua época.
Embora o autor, James Baldwin, tenha afirmado que o livro não é focado na temática gay — e sim nas relações humanas — não tem como negar que é retratado de uma maneira muito elegante. O livro conta a história de David, um americano que, enquanto está na França esperando sua noiva voltar de um passeio na Espanha, conhece em um bar um italiano chamado Giovanni — um rapaz gay, onde logo essa amizade vira uma linda estória de "amor de verão" entre os dois.
O livro me despertou vários sentimentos ao longo da escrita. Comecei pelo primeiro capítulo introdutório, mas igualmente profundo. Fiquei curioso ao saber o destino de Giovanni logo no começo, mas fui seguindo para saber no que iria dar. O coração ficou quentinho quando a relação nasce e se desenvolve, e depois se encheu de raiva e desgosto por um acontecimento perto do desfecho.
O autor tem um talento ímpar para nos fazer mergulhar em emoções — talvez ao ponto até que eu como leitor me senti afogado. Tudo é muito intenso, dava vontade de não largar nas partes ternas, mas nas partes que causavam aversão eu não sentia vontade de continuar, de tão ruim que me sentia.
Livros com essa temática LGBTQIA+ me fazem refletir muito sobre como a sociedade funciona. Eu posso andar com uma eventual namorada de mãos dadas na rua sem temer ser agredido. E ser hétero não me faz ser melhor do que ninguém, eu sou um grande bosta na verdade. Todo o relacionamento com Giovanni é sempre cercado de cuidados para que o "mundo de fora" não descubra, quando uma relação homossexual é tão normal e tão intrínseca na humanidade, que não deveria ser tratado como algo sujo, baixo e cheio de preconceitos como é.
Assim como o David, eu também tive um pai homofóbico. Existem então dois comportamentos possíveis: se a pessoa nasce gay, e vive num lar homofóbico, acaba sendo como o protagonista do livro — uma pessoa que não aceita a homossexualidade do outro, que agride, que calunia, justamente porque não aceita em si mesmo que é gay. Desconta por meio de agressão o que lhe é mal resolvido.
Porém eu nasci hétero. E sempre estive, em diversos momentos da vida, com pessoas LGBTQIA+ ao meu redor. E esse convívio me ajudou a expandir meu conhecimento de um mundo que eu nunca teria noção de que existia, de aceitar e admirar pessoas como são, respeitá-las, de entender que mesmo não fazendo parte da comunidade eu posso lutar pelo direito de que possam ser felizes, possam se assumir sem medo de julgamento da sociedade, e fazer com que tenham os mesmos privilégios que eu tenha.
Existe um ditado que diz: "Tanto a cobra, quanto a vaca, bebem a mesma água. Mas uma produz veneno e a outra produz leite". Ao ter um pai homofóbico como eu tive, isso sempre me trouxe a certeza de que era ele quem tinha algo mal resolvido. Que uma pessoa como ele que desrespeita, não aceita, xinga e faz outras coisas, é talvez por ter algo ali dentro que nunca aceitou.
E isso na verdade é muito triste. Pessoas deveriam ter a liberdade de ser quem elas querem, dormir com quem bem desejarem, e poderem exercer sua sexualidade e afeto da maneira que elas se sintam felizes. Talvez estamos vivendo um momento de mudança, mas ainda há muito pelo que se fazer. E espero sinceramente que num futuro, alguém como o Giovanni desse livro, não precise se esconder num quarto. E que a sociedade o permita ser feliz da maneira que ele achar melhor.
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