Poderia ser a gente. Mas, melhor não.

Minha psicóloga fala que achar namorada em funeral nunca dá certo. Mas por um tempo achei que poderia ser diferente. Afinal, tabus estão aí para serem quebrados. E ela é uma menina muito bonita, inteligente, e carinhosa. Um pacote bem complicado de se achar. Trocamos telefone, claro que no começo era amizade, mas não demorou muito para pintar um interesse.

A voz dela é muito doce. É o tipo de voz que acalma muito. E como ambos estávamos de luto pela passagem de uma pessoa que próxima de nós dois, no começo éramos o apoio de cada um. Trocávamos estórias da amizade relembrando nosso amigo em comum, e essas estórias entravam em coisas mais íntimas, e logo vi que tínhamos muito mais em comum do que imaginava.

Pedi para ela recitar a Ilíada, ao menos o comecinho, a epopéia de Homero. Me trazia uma calma sem precedentes, até hoje eu guardo esse valioso áudio que ela me passou. Tentei chamá-la para sairmos naquela época, para almoçarmos em algum lugar, mas não deu muito certo. Nunca calhava de marcarmos. E então, veio a pandemia.

Não perdemos contato, e na época ela viajou pra bem longe. E ficou um bom tempo nesse lugar, já estava com namorado lá, então só conversávamos para manter a amizade mesmo. É o tipo de pessoa que a gente quer ter sempre por perto, como amiga já era algo excelente. Como namorada, seria perfeita.

O tempo passou, e o relacionamento e a vida lá não deram certo. Mas eu lembro como eu achava inspirador esse impulso, de ter deixado carreira, família, estabilidade, para correr atrás de alguém que gostava, mesmo em um ambiente totalmente diferente desse que estamos acostumados! No entanto, quando fiquei sabendo do retorno dela, preferi não tentar ir atrás de detalhes. Acho que a gente tem que dar o empurrão de coragem que as pessoas precisam, mas quando as coisas dão erradas, temos apenas que ficar do lado e deixar que elas se abram quando acharem conveniente. E então ouvir com todo o coração.

Ela propôs um encontro! Eu fiquei muito feliz. Nos encontramos num restaurante perto de onde ela mora, almoçamos, e me lembrei o quão legal é conversar, rir, contar causos da vida, e, especificamente com ela, aprender muito. Como eu disse antes, ela é uma mulher inteligentíssima, e eu gostava de ver como problemas que eu estava rodando sem conseguir sair do lugar, ela conseguia pensar em soluções, como se ela estivesse no meu lugar. Ela é realmente uma mulher muito especial.

Quando uma pessoa começa a ganhar espaço em meu coração, é como viciar em alguma coisa. Não sei dizer bem como são vícios, porque meus únicos vícios eram Coca-cola e roer unhas — ambos que eu me livrei há alguns anos. Eu fiquei tão feliz em vê-la, poder conversar, foi uma sensação tão boa que eu ficaria feliz que isso se repetisse!

Então a chamei para um segundo encontro. Eu ficaria muito feliz poder revê-la!

Tentei não me ater ao facto de que ela demorou muito pra responder. Não minutos, mas levou dias — e o fantasma do ghosting, por mais que pareça redundante juntar essas palavras, voltava a me assombrar. Dias desses eu comentei com minha psicóloga como mulheres me fazem me sentir como um leproso, para outros caras o negócio é tão fácil, vejo meus amigos chamando mulheres para sair, aceitando, começando relacionamentos. Muitos até bem na cara-de-pau mesmo, chamando sem rodeios para transar, e indo para a cama com elas. 

Parece que eu tenho um azar muito específico, que me faz questionar o que eu ando errando de maneira tão constante em algo talvez tão elementar? Não é possível que isso seja apenas falta de sorte! Um raio pode cair no mesmo lugar duas ou três vezes. Mas quarenta e sete vezes?

Todavia, no dia que eu fiz o convite, eu comentei também o quão triste eu estava com o resultado do primeiro turno. Meu candidato poderia ter levado em primeiro turno, mas o que mais devorou minha esperança foi imaginar que mais de cinquenta milhões de pessoas votaram no adversário, mesmo depois de todo o mal que aconteceu nos quatro anos.

E a resposta dela foi como um banho de água fria.

Equiparar os dois, por baixo, é até perdoável. Mas quando ela disse que o que busca reeleição era tão pouco "extremista", percebi qual era o lado dela. Uma pessoa tão estudada, não consegue ver os elementos do fascismo claramente esfregados na nossa cara? O culto à imagem dele pelos seguidores, os inimigos que não existem, o pânico moral, a rede de mentiras e manipulação, minar as instituições que protegem o nosso estado democrático de direito? Táticas usadas por Hitler, Mussolini, Stalin, Idi Amin, Saddam Hussein, entre outros?

Nessa hora um pouco daquele sentimento de tristeza por não ter dado certo meio que sumiu. Não teria dado certo. Pelo lado dela, até é compreensível, uma vez que ela é empresária. Mas o que está em jogo hoje, e nas eleições do próximo domingo, é muito mais do que isso. O país está em ruínas, prestes a entrar em uma guerra civil, golpes sendo ameaçados todo santo dia. É claro que temos críticas ao outro candidato. O que uma pessoa como ela devia enxergar é que a ameaça é muito mais à democracia, do que um plano econômico.

Achei que poderia dar certo com ela. Mas hoje, acho que quem não quer sou eu. A última mensagem que mandei para ela faz dez dias. 

E ela nem viu ainda.

Comentários

Postagens mais visitadas