Deve haver algo a mais que isso.


Tudo o que eu queria fazer era chorar. Eu sentia aquele sentimento vindo do meu âmago, uma tristeza incontrolável. Eu sentia vontade de gritar, de jogar tudo para cima, mas por não ter um ambiente em que eu pudesse fazer isso, os dois sentimentos dentro de mim se digladiavam, a vontade de ficar de joelhos e chorar copiosamente, e ao mesmo tempo eu sentia que não devia fazer aquilo, que eu devia manter a aparência de sempre, pois haveria uma punição severa. E esse sentimento me fazia trancar essa tristeza dentro de mim, por mais que ela fosse cada vez mais crescendo, como um cano com muita pressão e água vazando — mas eu fazendo uma força sobre humana para não deixá-lo estourar de maneira alguma.

Em todas as vezes em que eu chegava de viagem, me batia um sentimento de profunda tristeza. Não apenas no momento do embarque, de imaginar que eu estaria voltando para a minha realidade, mas quando eu começava a ver as ruas e o caminho do meu bairro. O sonho sempre se acabava quando eu via na janela do carro o bairro onde eu moro. O retorno para a casa era como um atestado de que eu nunca conseguiria sair desse local.

Das últimas vezes, por mais que eu viajasse, e vivesse coisas inesquecíveis e memoráveis, era um choque brutal perceber que eu voltava para a minha realidade de sempre. Uma realidade em que eu vivo trancado em um quarto porque não suporto nem ouvir a voz, e nem pensar que ele está na sala, nem olhar para a cara do meu próprio pai, e que tenho que ficar arrumando a casa e cozinhando para eles todos os dias, achando que jamais eu vou conseguir fazer isso para a família que eu constituir, para a minha esposa, ou até filhos.

Fazia seis anos que eu não visitava minha família no interior. Quem era ainda criança na última vez que eu vi, já estava adolescente ou até entrando na vida adulta. Tudo isso aconteceu muito rápido, e de maneira muito brusca. É verdade que a admiração e a amizade que eles sentem por mim nunca mudou. 

Mas como eu disse antes, a luta contra a depressão é a luta contra o eterno e sufocante loop. Pois não importa se em tudo na vida eu havia falhado. Se eu ficava triste e desmotivado com tantos baldes de água fria jogados sobre mim, e mesmo que eu levasse muito mais tempo que as outras pessoas para me erguer — ou talvez eu nem mesmo me reerguesse de vários desses. Essa sensibilidade só se mostrava uma deficiência grave, onde o mundo dizia que eu não merecia o que os outros conseguiam.

Será que eu serei capaz de ter uma vida comum? Eu vejo tanta gente que na minha idade já conquistou tanta coisa. Mas comigo eu só vejo falhas e mais falhas. E essa sequência de falhas me faz perguntar se a vida é algo possível para que uma pessoa como eu consiga viver.

Como se encontrar uma mulher, namorar, casar e levar uma vida comum fosse algo inimaginável. E quando vejo as outras pessoas conseguindo isso de maneira relativamente fácil — mesmo eu sumariamente ignorando os diversos percalços que os mesmos também vivenciam, e vendo apenas a parte visível para quem vê de longe — me vem à mente a certeza de que esse tipo de coisa nunca será para mim.

Olha só essas pessoas, se casando, correndo atrás de suas carreiras, crescendo na vida, tendo filhos, seus próprios carros, suas casas. E quanto a mim? Eu faço faxina, tenho que deixar o almoço pronto para meus pais, e viver trancado em um quarto. Pois eu não tenho dinheiro para sair, não tenho um trabalho, não tenho uma namorada, não tenho nada.

Se é isso o que a vida tem a me oferecer, de que ela vale? Não faz sentido para mim continuar a viver se as coisas nunca vão mudar.

Esses dias comecei a me questionar seriamente se eu não estou dentro do espectro autista. Embora eu assista, leia, e consuma muita coisa sobre o assunto, não sei bater sobre meu próprio diagnóstico. E ter esse cérebro que não desliga nunca é fonte de um sofrimento inesgotável. Me causa insônia, uma hiperatividade que nunca cessa, um hiperfoco que atrapalha muito nas outras áreas da minha vida, e a eterna certeza de que eu sou um ser humano que nasceu com defeito. E pensar nisso me faz entrar em um maré de pensamentos ruins, pois nunca vou conseguir viver uma vida com plenitude, pois para o resto do mundo eu sou um estranho.

Talvez essa vida de acordar cedo, ter que bater cartão, um trabalho de segunda a sexta não seja para mim. Acontece que isso é extremamente valioso na sociedade, e para grande parte das pessoas só existe isso como opção digna a ser seguida, e nada a mais. 

Só que esse tipo de rotina me faz perder o ânimo de viver. E um trabalho onde eu não consiga pegar tudo isso que eu tenho na minha cabeça e usar livremente, me faz entrar em um parafuso, onde por mais que eu me torça para realizar a tarefa, é sempre a mesma coisa de novo e de novo. E então, por ter que obedecer ordens de chefes idiotas, existe sempre a voz que diz que eu não sou nada especial, que eu não tenho nenhum talento, nenhuma criatividade, que sou um zero a esquerda em tudo na vida.

Por essa e tantas, por tantas coisas que sinto que me faltam na vida, e por tantas outras que eu não me encaixo, não consigo ver a vida como algo bom. Algo que valha a pena de se viver. Se eu não consigo me encaixar, o problema sou eu. E se minha existência não tem serventia alguma, pra que existir em primeiro lugar?

Eu não me vejo como uma pessoa, eu me vejo como um fardo. Uma pessoa que só conseguiu falhar na vida em tudo. Alguém que não tem nenhum talento, que não é capaz de fazer absolutamente nada de bom. E quanto mais a vida passa e as coisas nunca mudam, por mais que eu empenhe todos os esforços dentro da pequena capacidade que eu tenho, a certeza de que meu valor é menor que zero só aumenta.

E a vida deixa de ser interessante. Não há desafios porque tudo foi falhado. Mesmo o político que comprou casas com dinheiro, roubando por anos, rouba porque tem vontade de desfrutar o que a vida tem de melhor. Quer o dinheiro, e a busca por esse prazer faz ele querer continuar vivo.

Mas eu não. Onde estão os prazeres? Será que eu sou digno de ser feliz? 

E quando chego de viagem como hoje, vendo todos os sucessos de todo mundo, só me dá a certeza de que não há nada para se lutar. E se não há nada que preenche o coração, não sinto que aja algo que me faça querer viver. Pois a minha vida é ficar preso aqui, dentro de um quarto, fazendo almoço para meus pais, pedindo dinheiro para quando quero sair — e consequentemente evitando isso pela vergonha, e ficando ainda mais trancado no quarto — e vendo todo mundo na minha idade fazendo suas vidas, encontrando seus parceiros, comprando seus carros, realizando seus sonhos, construindo suas carreiras.

E eu? Nada.

Existe algo na vida além disso?

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