Era um céu sem lua.


Aquela chuva no meio da estrada foi muito atípica. As tímidas gotas iniciais logo se multiplicavam, e conforme iam acertando cada vez mais no vidro, menos eu conseguia enxergar a estrada. Aquela tempestade com seu gotejar incessante parecia querer lavar algo que não estava apenas na superfície, mas dentro do coração. Como águas que iam lavando todas as lamúrias do passado, abrindo espaço para um novo futuro na frente, que seria te encontrar.

Desde o início, quando recebi a notícia de que conseguiria viajar, pensei em você. Não era de hoje que sonhava em te encontrar. Lembro muito bem de como há seis anos várias tentativas foram feitas, mas nunca deram certo. Por mais que até você dissesse que “sim”, que iríamos nos conhecer pessoalmente, depois que eu chegava você tinha o hábito de simplesmente sumir do mapa e não mais me responder. Todo aquele estresse de aguentar meu avô ignorante comigo por passar tanto tempo na casa dele de nada serviram. Exceto para uma coisa: para que essa falta de ter um lugar onde eu me sentisse bem, junto de tantas frustrações amorosas com você, me fizessem enterrar por longos seis anos qualquer pensamento de realizar uma visita a esses lados.

Talvez eu deveria ter te consultado antes. Acabei apenas revelando a data depois que eu já tinha feito a compra das passagens. E já naquela época você havia me dito que já tinha uma outra viagem marcada, e que nosso tão esperado encontro não aconteceria.

Como duas almas que se cruzam, ambas seguiram seus caminhos diferentes. Ficava imaginando que, nem que fosse por alguns minutos, as centenas de quilômetros que nos separavam haviam sido vencidas. Talvez em algum momento dentro de todos aqueles incontáveis carros que passavam, você poderia estar em um deles. Um destino que eventualmente pode ter se esbarrado, mas não o tempo suficiente para que eventualmente mudassem suas rotas e trilhassem juntos.

A vida ás vezes tem dessas. E o que ela mais é do que esse infinito fluxo de almas indo em todas as direções? É possível cruzar com todas as vidas do mundo, mas muito improvável de que a pessoa correta esteja ali, na hora certa, no lugar certo, quando assim o desejamos. A verdade é que não temos controle de nada. 

Não era pra ser. Simples assim. A vida consegue se mostrar como uma realidade muito mais dura do que o mundo que desejamos. Podemos ter aspirações, planejar, e algumas coisas até podem sair como esperamos, mas sinto que eu fico muito frustrado quando as coisas não acontecem como quis na minha imaginação. Pois é na nossa mente que tecemos o mundo ao nosso redor, é o local onde sonhamos, refletimos, e moldamos o mundo que transformaremos em realidade. É onde ensaiamos nossas ações, divagando sobre o filme onde nossas vidas se passam, roteirizando o começo e deixando para viver o desfecho que ela nos dá. Justamente quando esse filme não acontece, esse longa perde sua graça, a magia acaba, e somos esmagados pela dura realidade que não dá a mínima para o que desejamos.

Acreditava que algo inesperado aconteceria. Que de alguma forma você talvez desistiria da viagem, ou ainda voltaria cedo. Que iríamos nos encontrar, nos conhecer, e o que a vida decidisse que era pra acontecer ali naquele encontro, aconteceria. Afinal já faz tanto tempo, e foram tantas tentativas, não é mesmo?

Em todos esses anos, por mais que diversas coisas acontecessem nas nossas vidas, nunca perdemos o contato. E mesmo com todos nossos defeitos e problemas, eu via que você como mulher era alguém que eventualmente poderia ter dado muito comigo. Da mesma pureza que compartilhamos com as crianças, passando pela fé, a solidão, e o facto de sempre termos muita química. Até o mesmo dente obturado na frente temos!

Enquanto olhava para todas as estrelas no céu que não conseguia ver na minha cidade, ficava pensando se eventualmente aquele mesmo céu poderia ser visto também por você, naquele momento, mesmo tão longe. E entre essa ligação que desafia o tempo e o espaço, mas que se realizava em minha mente, me batia uma tristeza. Uma tristeza de estar tão perto de você, e ao mesmo tempo tão longe. Distantes por conta dos desencontros da vida. 

E quase como uma resposta da própria natureza, enquanto olhava para aquele céu, eu não via a lua. Era para ela estar visível, pois era fase de lua cheia. Mas não importasse para onde eu olhava, ela não estava em lugar nenhum. Assim como nosso satélite, você estava fora da minha vista, do meu alcance. A ausência dela naquele céu significava algo tão óbvio, que era claramente uma confirmação de que não era para ser.

Quem sabe se tudo tivesse dado certo o meu retorno para casa seria diferente, pois teria a certeza de que quando retornasse não seria para um passatempo. Mas sim para criarmos porco no sítio.

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