Livros 2022 #25 - 1984 (1949)
O primeiro contato que tive com 1984 foi no final do ensino médio. Eu lembro que li logo depois de ter terminado "Admirável mundo novo", do Huxley. Talvez eu estivesse numa fase distópica. Mas agora, quase quinze anos depois, resolvi reler esse clássico que, embora eu não me recordasse de muita coisa, me deixou uma impressão muito forte. Saber criar um mundo totalmente diferente do nosso, e fazer personagens com dilemas que são idênticos aos que passamos talvez seja o diferencial dessa obra de George Orwell.
Comprei essa edição linda da editora Antofágica, dessas que vão ficar imortalizadas na estante. E não é apenas o trabalho lindo de capa, como a excelente tradução e adaptação, mas também o livro conta com lindas ilustrações, excelentes prefácio e posfácios, e capa dura. Os livros da Antofágica são um pouco mais caros, mas valem cada centavo!
O protagonista, Winston, que vive em Londres no fictício superestado chamado Oceania, que compreende juntos a Austrália, todo o continente americano, e ainda as ilhas da Grã-Bretanha. Esse estado está em constante guerra contra outro superestado, a Lestásia (leste asiático), e ao mesmo tempo aliada da Eurásia (Europa & Ásia).
Esse mundo de Winston é regido pelo autoritarismo ao extremo, onde todos são constantemente vigiados, ninguém pode confiar em ninguém, e muitas pessoas simplesmente somem do nada: seja por serem inimigas do governo, por terem rompido a censura, ou mesmo por tentarem viver vidas de uma maneira que iam contra os ideários forçados pelo partido.
Winston não é alguém da ralé, que eles chamam de "proletas", os cidadãos pobres, com poucas condições, que servem apenas como massa braçal para o regime. Mas ao mesmo tempo não faz parte das altas cúpulas do partido. É um funcionário do Ministério da Verdade, que cuida de toda a comunicação, censura, e reescrita da história. Achei muito curioso que o protagonista seja justamente um cara desse ministério, pois é o que melhor poderia refletir sobre o que está sendo escondido da população e, consequentemente, se revoltar.
O livro é dividido claramente em três partes. E as três são bem delineadas, mostrando toda a evolução do protagonista enquanto vai descobrindo a verdade que tentam lhe esconder, vislumbrando uma vida comum no meio de toda aquela restrição, e entendendo como aquele estranho mundo funciona na realidade.
George Orwell chega até a criar uma língua própria — muito bem adaptada para os leitores em português — chamada Novilíngua. Existe um ótimo anexo, escrito pelo próprio Orwell, no final do livro onde ele discorre sobre qual seu significado e sua função dentro desse mundo. Não é difícil de se entender, não acredito que o leitor ficará perdido no meio de tudo.
Acho curioso como a tecnologia era vislumbrada. Orwell escreveu o livro em 1949, e a trama se passa trinta e cinco anos no futuro. Todas as casas são equipadas com escutas e câmeras, as famosas "teletelas". Considerando que, embora as tevês tenham sido inventadas ali por volta da década de 1920, Orwell já via que aquele negócio seria algo do futuro — o que de facto foi, pois a partir da década de 1950, depois do lançamento do livro, elas se popularizaram, tirando o posto do rádio, como mídia que mais influenciaria a opinião pública. E até hoje temos não apenas aparelhos de tevê, como o conceito foi expandido para computadores e celulares.
Mas é interessante ver outras coisas que também são curiosas, como o "falaescreve", que é o substituto do jornal, um aparelho conectado controlado diretamente pelos membros do partido, onde saem de rolos impressos todos recebem as notícias vidas do Grande Irmão. Nem mesmo o sexo é praticado livremente. No próprio mundo de 1984 existe uma parte onde deixam explícito que vai existir uma época onde nem ele será necessário para reprodução, que será feita com ajuda de máquinas, e o sexo será extinguido. Afinal através do sexo se formam laços, e esses enlaces são vistos com desconfiança pelo partido.
O próprio e misterioso Grande Irmão, esse ser que está acima de tudo e todos, observando cada um dos humanos subordinados, é outro personagem enigmático, e ao mesmo tempo sempre-presente. Em uma batalha interminável contra Goldstein — a única célula de revolta, que foi expurgada, mas continua sendo uma ameaça constante e invisível contra o regime — é outra analogia que vemos perfeitamente nos tempos atuais.
Quero escrever alguns textos mais para frente mostrando esses paralelos.
O mundo de 1984 é gigantesco, mesmo se fazendo presente em uma única obra. A mágica das distopias reside em pegar aspectos da nossa sociedade e amplificá-los ao extremo. Toda essa exorbitância nos fazem querer pensar que tudo o que é mostrado, seja em 1984, em Admirável mundo novo, Fahrenheit 451, ou no Conto da Aia (esse último mesmo sendo mais novo, é tão bom quanto) está muito distante da nossa realidade.
Mas como eu disse, o que faz uma distopia é esse exagero. No entanto, não quer dizer que esses elementos não existam na nossa atualidade, talvez apenas em um grau menor. Mas está tudo aqui, precisamos manter nossos olhos abertos.
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