As viagens no tempo que faço (1)

Quando enfim deixei o consultório, eu já sabia onde queria ir. Já havia visto quais ônibus pegar, quanto tempo levaria. O cansaço e a fome pareciam reprimidos pela intensa curiosidade que tomava conta de mim. Ao descer da condução lá estava eu, como uma pessoa que se teletransportou dezessete anos no futuro, mas no mesmo lugar que tanto caminhei no passado.

A condução passava justamente ali no bairro de Moema, na Maracatins. Eu não costumava caminhar ali tão pro fundo não. Mas quando desci do ônibus, não demorou muito para reconhecer a esquina perto de onde eu estava. Naquele momento lembrei de que já haviam se passado dezesseis anos. 

Sempre nos intervalos das aulas de arquitetura na Universidade Ibirapuera eu saía ali da avenida Iraí e caminhava duas quadras até a Jurucê, onde ficava a faculdade da minha mãe, a faculdade Montessori. Meu intervalo era antes do horário da faculdade dela, o que me garantia sempre o belo hotdog feito com mini baguete do seu Luís — um senhorzinho que tinha um carrinho de cachorro-quente ali. Ele sempre me cumprimentava com um "e aí, menino?".

Vi aqui no histórico das imagens do Google Maps  do local em 2010, e lá estava o senhor (acima). Cara, como era gostoso! Eu comia o hotdog ali religiosamente todo santo dia, e não tinha igual. Todos os ingredientes fresquinhos, aquela vinagrete maravilhosa, o catupiry, e o purê sempre essenciais. Lembro também que sua esposa sempre estava lá, e eu sempre bebia uma coquinha bem gelada pra acompanhar os dois cachorros-quentes que eu devorava na escada da calçada enquanto batia papo com vocês.

Hoje vi que a faculdade não existe mais, mas ainda tem ali uma instituição de ensino. A escada existe, mas o senhor já não está lá. A saudade bateu forte, e nesses momentos eu percebo o quanto o tempo passou, e o quanto é implacável. Será que o seu Luís ainda está vivo? Ele já era bem vovôzinho vendendo hotdogs ali na avenida Jurucê. E pela foto do Google Maps, as pernas dele parecem finas, parece mais magro. Será que ele estava doente?


Ao fazer o caminho de volta para minha antiga faculdade, o posto Shell continua ali na esquina. Mas o resto, quanta diferença! A faculdade e o bar que existiam ali não existem mais. Na época a Universidade Ibirapuera tinha dois edifícios na avenida Iraí: no meu curso de arquitetura as aulas práticas eram feitas no prédio na 312 (acima) e as aulas teóricas no 297 (abaixo).

Como eu deixei o curso com apenas um ano, usei pouco o prédio onde haviam as aulas práticas. Mas foi lá que os meus antigos colegas seguiram, estudando hidráulica, materiais, e as minhas temidas maquetes. Minhas aulas eram num edifício bem ali no fundo, com um chão que parecia um tabuleiro de xadrez, e paredes de tijolo aparente. Estudávamos no maior pecado arquitetônico, até o professor dizia que ali era o exemplo do era era errado. Mas como desenhávamos muito, tínhamos mesas bem grandes e espaçosas para ocupar com todos aqueles esquadros, réguas e folhas A3.


Atravessando a rua da faculdade havia uma gráfica (acima), onde tirávamos todas as cópias da publicações (cometendo todos os crimes de copyright existentes) e havia o bar "quinta aula", onde eu tenho ótimas lembranças com minha amiga Monica em alguns rolês que fazíamos ali. Na época eu ainda não bebia. Hoje eu ainda bebo muito pouco, não sei se posso dizer que mudou muita coisa.

Mas a maior vantagem de estudar ali era o fácil acesso ao shopping. Nas duas faculdades que eu fiz sempre tive um shopping perto, e não vou negar que passear nele naqueles dias que não tínhamos aula era ótimo pra distrair da correria de trabalhos, provas, e estudos. E era ali no Shopping Ibirapuera que íamos eu, Eduardo Canejo, a Eusa, e tantos outros para comer Burger King — uma novidade lá em 2006.

Hoje o que existe no lugar da faculdade é um condomínio (foto acima). Está prestes a ser concluído, haviam apenas algumas máquinas ali fazendo os ajustes finais. Tanto de um lado da rua quanto do outro. Onde havia a instituição de ensino agora há um muro cinza (foto abaixo). E um prédio grande bonito e chique atrás.

As noites naquele lugar de Moema eram frescas e gostosas. O vento ali da região parece estar sempre fresco, como se caminhasse livre por entre aquelas quadras geométricas do urbanismo do bairro. Eu gostava muito de caminhar ali a noite, e como era um lugar sempre movimentado, nunca me aconteceu nada de ruim. Tudo bem que o facto de ali morar uma grande quantidade de grão-finos era um diferencial para a beleza, segurança e até arborização do bairro. 

Devem ter sido poucas as vezes que eu cruzava toda a Iraí vindo da Ibirapuera. Eu não gostei nem um pouco da primeira vez que caminhei por ela, isso lá no começo de 2006, quando fui fazer a inscrição na faculdade. E desde aquele momento eu sempre evitava, achava ela escura, era um lugar que eu não me sentia bem de andar nem mesmo durante o dia. A gente sempre tem esses lugares que a gente não se sente bem em caminhar, e nem a gente sabe direito o porquê. 

E hoje, mais uma vez, não o fiz.

A verdade é que andar por esses lugares é como se sentir numa viagem do tempo. Pode ser até que eu soubesse me guiar relativamente bem, apesar de todas as mudanças que ocorreram nesses anos. Mas as memórias pareciam estar vivas novamente. E nem parecia que tanto tempo havia passado. O Google Maps pelo menos guardou algumas fotos antigas do local, o que me ajudou a relembrar nomes e antigos números das edificações.

Mas mesmo com todas as mudanças, quando a paisagem nos é revelada, faz a gente lembrar de tudo. Das luzes projetadas no shopping, aquele verde, vermelho, e dourado que se via ao longe. Daquela bagunça de gente na entrada da entrada estreita da faculdade, e do setor financeiro protegido por grades. Do boteco na frente sempre cheio, e aquele congestionamento de gente nos horários de entrada e saída. E da garoa que ás vezes caía, e as gotículas parecendo riscas refletindo a luz dos postes perto da faculdade.

E óbvio: o inesquecível cachorro-quente do seu Luís.

E já me deu fome de novo...

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