Como vamos explicar para as próximas gerações?


Fico aqui pensando: como vamos explicar para as próximas gerações que, em pleno século XXI, usaram um lema fascista em pleno Brasil democrático. Foi isso que me veio à mente quando semanas atrás passei na frente de uma parede de um lava-jato ali na região do Largo Treze, em Santo Amaro. Em letras gigantes no muro grafitado estava escrito: "deus, pátria, e família". E uma grande bandeira do Brasil naquela arte também.

Consigo quase ver as próximas gerações vindo até nós e perguntando: como deixaram isso acontecer? E a resposta para essa pergunta talvez esteja em entender o espírito da época, o Zeitgeist atual. Óbvio que não podemos ignorar a ascensão da direita, o antipetismo, e a crise econômica mundial de 2008. Mas tenho uma hipótese mais do viés antropológico — e claro que isso tudo tirei do cu, então não levem a sério, é apenas uma divagação.

Talvez as pessoas estivessem vendo filme demais. Filmes educam muito, passam mensagens muito pertinentes que podem moldar caráter e ações. E eventualmente pela população assisti-los muito, acabem com a sensação de que podem viver aquilo de certa forma. Trazer a ficção para a realidade, sabe?

Eu lembro de quando eu era moleque, pouco depois do 11 de setembro, de receber Powerpoint no email com teorias da conspiração sobre o atentado às Torres Gêmeas. Na época eu, que era um adolescente de quatorze anos, acreditei piamente naquilo. Me sentia alguém fora do padrão por ter tido acesso àquela informação privilegiada, sobre toda a armação do governo estadunidense. Eu mesmo já postei algumas dessas groselhas aqui, como quando fiz a asneira de falar dos atentados terroristas de Boston.

Sim, a gente erra e aprende.

O facto é que, ter acesso ao que vendem para gente como "informações privilegiadas que não querem que você saiba" já compra nossa atenção de maneira fácil. E quando existe uma rede inteira para perpetuar essas mentiras, com muitas e muitas pessoas compartilhando, muda o rumo de um país.

Se um moleque que estivesse nascendo agora fosse me perguntar daqui a vinte anos como foi 2023, eu começaria tentando passar essa noção. O último governo foi algo como uma "tempestade perfeita", onde campanhas de desinformação, se aproveitando do quanto certa fatia da população queria se achar poderosa por "saber algo que os outros não sabem", resolveram seguir um cara que sabia comunicar esse tipo de coisa e se aproveitar da fragilidade do povo.

Uma ascensão baseada no medo, paranóia e histeria. Povo que via muito filme, pensou poder estar estrelando um na vida real.

Por isso eu tenho muito receio dos clichês cinematográficos atuais. Vou pegar exemplo da recente trilogia de Star Wars: havia uma história, o falecido Expanded Universe, onde ali víamos a sequência escrita por fãs de uma maneira totalmente diferente. Resumindo bem, é mais ou menos como se, depois que o Império Galáctico foi derrubado com a morte de Darth Vader & Palpatine, Luke e os outros fundam uma nova república, mas ainda assim existem guerras locais de povos que eram pró-Império. Só que dessa vez ao invés de serem os revoltosos, o objetivo era mostrar que a democracia é a mais correta, e deve ser protegida acima de tudo.

Ao invés disso a Disney — estragando mais uma franquia, só pra variar — inventou lá que um novo Império ascendeu ao poder, e, mais uma vez, é um filme com temática revolucionária: pessoas comuns tentando derrubar um regime autoritário.

Eu entendo que revoluções vendem mais que a proposta de proteger democracia. Fazer uma história pelo ponto de vista dos revoltosos lhes confere inspiração para quem assiste. E óbvio que no mundo precisamos de muitas dessas revoluções e revoltosos: como o Feminismo, Anti-racismo, direitos dos trabalhadores, e até o MST.

Mas esse tipo de mensagem dos filmes são vistas também pelos que frequentam os Chans da vida. Daquelas pessoas dos grupos de Whatsapp com suas vidas cheias de tédio. E quando chega ao poder alguém que diz que "a liberdade é ele", acredito que toda aquela mensagem, passada incansavelmente por filmes e séries de que as pessoas devem se revoltar, as façam se revoltar contra aquilo que concede justamente a nossa liberdade: a democracia.

E por todas as pessoas irem junto, e ignorarem cultura, conhecimento, ciências, artes, e tantas outras áreas, nunca perceberiam que seguiam um presidente que repetia "deus, pátria, e família", o slogan fascista ali, na frente de todos, sem que ninguém tivesse a necessidade de esconder. Pois qualquer informação fora dali era automaticamente invalidada. Toda a cultura e história que não fossem as baseadas em mentira que eram perpetuadas pelo gabinete dele, fez com que muita gente seguisse o slogan fascista sem nem ter noção do que isso significava.

Apesar de toda essa galera muito barulhenta, podem ter certeza que teve muita gente que não foi junto. Mostrando que o August Landmesser não estava sozinho. Haviam muitas pessoas que não faziam o saudação nazista quando chegou ao poder aqui aquele que repetia "deus, pátria, e família".

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