Livros 2023 #11 - Misto quente (1982)
Eu li a primeira vez o Bukowski na época do meu segundo estágio. Uma vez no horário de almoço com meu chefe, que hoje é um grande amigo, o Felipe, fomos numa banca de jornal, e ele perguntou se eu já tinha lido Charles Bukowski. Eu disse que não, e ele me deu esse. Completou dizendo que havia sido o pai dele que havia lhe dado na época que ele fez uma cirurgia no joelho, no leito do hospital. Quase quinze anos depois revisitei essa obra, resolvi reler agora em junho e julho.
Charles Bukowski é um dos "autores malditos" estadunidenses. Escrevendo de uma forma bem frustrada e negativa, os personagens de Bukowski — incluindo sua espécie de alter ego, o Henry Chinaski, protagonista de várias das suas obras — é o exemplo não apenas do que não devemos ser, como fruto do meio em que vive, colhendo as coisas ruins que sempre plantou.
Muitas pessoas criticam o Bukowski, e eu me incluo nessa lista. Não por sua escrita em si, é um ótimo contador de histórias, não tem como negar. Mas os livros dele vemos o machismo em sua essência. É o garoto que começa a odiar mulheres porque tomou um fora, o que não consegue ser o homem que o patriarcado diz que devemos ser, e o jovem que pode até tentar não repetir os erros de sua criação, mas ao ver a dureza que o mundo tem, não vê outra opção do que ser um grande dum arrombado.
Porém, como eu disse, os livros tem como base um pessimismo característico da sua obra. Henry Chinaski é um grande miserável, que mesmo sendo um personagem retrogrado, nunca se dá bem em nada. Nisso Bukowski é muito realista, e acho que os livros dele devem sim ser lidos mais hoje em dia, pois conhecendo as causas e as motivações da cultura machista, a gente aprende a combater e compreender. Quem sabe até trazer para a luta, sabe? Apesar de personagens bem escrotos, nenhum deles se dão bem. São alvos de suas próprias escolhas de vida, condenados a apenas ir mais e mais fundo, pela dificuldade de se desconstruir sem nenhuma referência ou inspiração.
"Misto quente" é como uma introdução. Conta a história de Henry Chinaski, um filho de imigrante alemão que se muda para os Estados Unidos pouco antes do Crash da Bolsa de 1929. Filho de um pai alcoólatra e violento, o garoto não tem exemplos edificantes do que ser. É alvo de uma violência e ignorância constante, com a infância e ingenuidade podadas, e seguindo o mal exemplo que tem em casa, se tornando agressivo, provando o álcool cedo, e fadado a continuar a existência miserável que foi o único exemplo que teve na vida.
Por que isso tudo me soa tão familiar? Enfim, não vou entrar em assuntos pessoais aqui!
Eu já contei uma vez aqui como eu detesto Léxico Familiar, da Ginsburg. Achava que a questão era o pai ignorante e agressivo, pois refletia experiências pessoais, mas ao reler "Misto quente" eu crio uma empatia incrível com o Henry Chinaski, chegando a me questionar várias vezes se eu serei quem repetirá o padrão tóxico, ou se conseguirei dar uma reviravolta na minha vida. Mas a verdade é que os pais, tanto o Giuseppe Levi (pai da Ginsburg), como o Henry Chinaski Sr. (pai do Henry Chinaski) nunca me incomodaram. O que me incomodava era que a Natalia Ginsburg, mesmo tendo um pai ignorante, era que ela conseguia lidar com ele com maestria, nunca se abatendo, e sempre se saindo por cima. Enquanto a relação entre os Chinaski reflete as dificuldades que eu sinto pelos valores que o patriarcado inseriu na minha cabeça. Como honra, obediência, submissão entre pai e filho.
E desconstruir isso, é um negócio muito difícil, doloroso. Que acho que vou precisar de duas vidas para tentar superar tudo, pois minha criação teve MUITA coisa errada que me foi incutida, sabe?
Durante toda sua jornada de amadurecimento, Henry Chinaski sai de uma criança ingênua, e vai se corrompendo conforme os anos vai passando. Não há nada fofinho, o ódio que lhe é direcionado vem também de fora: sofrendo bullying na escola, um caso grave de acne que destrói sua aparência, uma baixa autoestima constante, e iniciação sexual muito tardia e complicada. Conforme vai crescendo, com sua família vivendo constantes crises financeiras, o mundo vai se revelando como um lugar injusto e podre. É realmente um livro muito pessimista.
Curioso que eu nunca havia escrito sobre essa obra, mesmo tendo esse blog na época. Acho que agora, pela primeira vez, posso falar sobre ele. Um sinal da maturidade, talvez? Mas eu não tenho dúvidas que a impressão que me deu há anos atrás deve ter sido a mesma. E o medo enorme de acabar me tornando isso que eu li.
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