Livros 2023 #18 - Os ricos também morrem (2015)

 


Ler um livro que retrata a nossa quebrada me dá sempre um misto de sentimentos. Por muito tempo eu sempre tentei fugir daqui, mas hoje, com a maturidade, acho que consigo ter um olhar diferenciado e perceber que é o lar de muitas histórias incríveis. Histórias que enquanto o mundo inteiro fora das periferias só têm acesso através de um livro, eu tenho aqui no dia-a-dia, observando, conversando.

Talvez por isso livros do Ferréz entram para ajudar até eu mesmo a organizar todas as memórias das minhas vivências aqui no Capão Redondo. Porque a opressão também vem de fora, nos dizendo que tudo o que acontece aqui é descartável, pois somos uma população humilde, que mora longe dos grandes centros comerciais e intelectuais da elite.

Esse é um livro de contos. Histórias sempre curtas, mas com uma narrativa totalmente diferente de "Capão Pecado". Ferréz apresenta uma obra onde talvez muitas pessoas de fora daqui não conseguiriam absorver do jeito que nós aqui conseguimos observar. Acredito que pra muita gente das regiões nobres das cidades vão ler grande parte desses contos como apenas diálogos soltos, como se pudessem imaginá-los em uma cena de favela de um "Cidade de deus" ou "Tropa de elite".

Mas para a gente, que mora aqui, e vê o dia-a-dia, tudo o que Ferréz escreve é muito vivo. Muitas dessas crônicas, bem curtas, são montadas apenas com diálogos, quase como poesia, de coisas que com certeza ouvimos vindo de pessoas daqui. Histórias de pobreza, marginalidade, racismo, preconceito, derrotas, e injustiças. Aí está um motivo mais que nobre para que obras como essas sejam valorizadas e lidas justamente pelas pessoas que moram nas grandes periferias da cidade.

Pelo facto do Ferréz ser alguém daqui da minha região, é muito vívido ver ele falando de lugares daqui, como o Jardim Comercial, ou a Mata (também conhecido como Parque Santo Dias). Isso sem contar algumas crônicas com até uma espécie de metalinguística, com histórias que parecem ciclos que se repetem, e até uma que não possui nenhum tipo de pontuação — só pra dar exemplo de dois dos que eu mais gostei.

O livro conta com ótimas ilustrações de Alexandre de Maio, que soube sintetizar de maneira única o conteúdo dos artigos que possuem sua arte. O trabalho editorial ficou lindo, desde a escolha do papel, até os padrões da lombada e arte das folhas. Um livro sobre nossa identidade, mas também contendo elementos de tudo o que sofremos por vivermos na periferia.

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