Livros 2023 #19 - Afetos Vorazes (1987)
O relacionamento de um filho homem com sua mãe é totalmente diferente do de uma filha mulher com a mãe. E quando leio livros assim é como se eu pudesse mergulhar no que eu jamais poderia sentir na pele. Apesar da autora ser uma famosa escritora feminista, achei muito forte todos os relatos do quanto de machismo ela sentiu na pele — tanto pela estrutura da sociedade, quanto em relacionamentos tóxicos.
Vivian Gornick assina "Afetos ferozes" (que na minha cabeça jurava que era "Afetos VELOZES"), um livro de memórias muito bem estruturado. Sem uma linha do tempo perfeitamente desenhada, o livro vai passando por diversas de suas épocas, da infância até a maturidade. Dois terços dele tem como foco seu relacionamento com sua mãe, Bess, imigrantes ucranianos que tentam a vida em Nova Iorque. O último terço foca em três relacionamentos com homens que ela teve.
Para um livro de memórias ser bom a pessoa tem que saber escrever muito bem. Pois pode haver casos de pessoas que tiveram a vida mais monótona possível e escreverem suas memórias de maneira singular, ou pessoas que viveram coisas extraordinárias e não sabem colocar isso tudo no papel. E Vivian sabe pegar sua vida e transformar tudo aquilo em uma trama muito bem escrita, onde vemos a relação que tinha com sua vizinhança, questionamentos sobre criação, luto, e as relação bastante conflituosa que tinha com sua mãe — ambas eram pessoas de personalidade muito forte.
Particularmente gosto muito quando ela fala sobre seu processo de criação. Ela faz ali uma analogia de um "retângulo", que preenche seu corpo inteiro, e daquele local que parece um vazio sua criatividade se aflora. Eu, que também faço minhas artes, achei essa descrição algo muito verdadeiro que se passa na cabeça de nós, artistas! Criar é um processo intenso e muito ebulidor. Eu chego até a literalmente transpirar, dependendo do quão concentrado estou. Parece algo calmo e tranquilo, mas aquele foco que a gente adquire é algo fora do comum. Tem um universo dentro da gente nesse momento.
Os relacionamentos dela são também uma parte muito enriquecedora. Eu tinha muito a visão de que uma mulher mestrada em feminismo eventualmente seria meio que blindada de relacionamentos tóxicos com homens machistas. Mas a Vivian prova que nem sempre isso acontece. Os relatos dela sobre são de causar tanta revolta e nojo, que só lendo mesmo pra se entender. Nós homens temos que melhorar muito pra sermos apenas "regulares", a caminhada nossa contra o patriarcado tem muito chão pela frente.
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