A primeira bad do ano.


Será que a gente consegue quebrar a corrente de uma criação? Esses dias tivemos o clube do livro da Chimamanda, e uma das discussões que tivemos foi a de como o pai da protagonista — um homem retrógrado, machista, patriarcal, que usa isso para oprimir os filhos — repetindo os padrões da criação dele. Incluindo achar que machucar ou ofender seus filhos seriam, na realidade, atos de amor. Obviamente não era amor, e sim um ódio, inveja, ou frustração, mas que ele vendia como o tal "amor" dele.

Quando entramos nessa discussão eu fiquei tão mal, sabe? Nesse momento lembrei do tal "amor" que recebia do meu pai. Era idêntico, sempre movido a muita raiva, inveja, e autoritarismo, dizia que a gente nunca devia sentir raiva dele pois tudo ali eram "atos movidos por um amor que nunca entenderíamos". Ou pior: que só quando nos tornássemos pais que entenderíamos.

A gente acaba voltando pra esse tabu onde "pais não sentem ódio, nem rancor, nem tristeza dos seus filhos, e sim um amor cem porcento do tempo". Uma mentira, claro. É como se todos os pais e mães fizessem parte de uma espécie de pacto entre eles, todos, independente se sofreram ou não com esse amor desvirtuado, endossam esse tipo de comportamento, nunca fazendo uma autocrítica. Será que nunca pararam pra pensar nisso? Ou se alguém chegou a puxar-lhes a orelha, ignoraram e pensaram que o errado era o outro? 

Pais sentem sim ódio, tristeza, inveja, e outros sentimentos ruins pelos seus filhos. Muitas vezes pois os mesmos foram alvos desse mesmo ódio, tristeza, inveja e outros sentimentos ruins pelos pais deles, e assim sucessivamente por todas as gerações anteriores. 

Quando usam a justificativa do tal "amor incondicional" enquanto praticam ódio e agressividade, muitas vezes o fazem pois justamente nunca conheceram outra forma de expressar os sentimentos. Nem mesmo sabem o que é realmente amor. Acham que amor inclui fazer o filho triste, e quando o filho fica mal, dizer que fez tudo aquilo por amor.

Mas cara, isso é tão danoso, velho. Isso causa tanto problema na cabeça dos filhos que apenas os tornam novos elos da corrente.

E nesse momento que eu ouvia essa discussão passava um filme na cabeça, sabe? E eu ficava muito pra baixo. Pois eu tenho certeza que eu vou ser mais um elo da corrente, e que eu constituir família é um erro tão grande como foi quando meus pais me conceberam — eram pessoas sem a menor capacidade de serem bons exemplos. Pessoas que se eu fosse algum tipo de deus, os fariam inférteis, pois eu saberia, afinal vivi na minha própria pele, que existiria esse tipo de inversão de valores.

Uma das coisas que mais me machucam no mundo é ouvir um "você é igualzinho o seu pai". E eu sou dessas pessoas que escutam, sabe? Eu vou pegar isso que a pessoa me fala como verdade e vou aceitar. E depois ficar muito mal. Minha vida é me distanciar dele, numa vontade imensa de não ser essa pessoa machista, patriarcal, e ignorante. Mas parece que, por conta de eu ter sido criado com esses tipos de valores e exemplos, é difícil, se não impossível, de fazer diferente e vislumbrar um futuro que não seja ser como ele.

Eu não vou conseguir. Eu serei igualzinho ele, por mais que eu tente fazer diferente.

E aí eu me afundo.

E eu não vejo um futuro pra mim.

Pois por mais que eu tente, eu acabo sendo igualzinho ele.

Então qual o sentido disso tudo? Vale a pena lutar para ser diferente? Como que existe um valor nesse ato se quanto mais eu penso que me distancio dele, alguém sempre chega em mim e diz que eu sou igualzinho a ele? Que eu também não sei o que é amor?

Eu me sinto como alguém que tem uma peça defeituosa. O ano mal começou e eu já entrei numa bad que valeu por todas que eu passei no ano passado inteiro. Toda a vida perde sentido. Eu quero simplesmente me isolar, ficar chorando na cama, impotente, imaginando que não tem nada a fazer a não ser aceitar que se eu tiver um filho eu praticarei ódio, ignorância, machismo e outras merdas e direi que fiz tudo isso porque o amo. Quando nada disso é realmente amor, é apenas uma faixada para que eu possa repetir o único padrão de criação que eu conheço.

E assim continuar essa corrente maldita. Um avô agressivo, um pai agressivo, eu agressivo, um filho meu agressivo, e por aí vai.

Eu não acredito que eu vou conseguir.

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