Livros 2024 #10 - Fahrenheit 451 (1953)


Distopias sempre terão um espaço especial no meu coração literário! Da lista de distopias na prateleira da livraria, Fahrenheit 451 é um dos maiores clássicos. Escrito pro Ray Bradbury em 1953, o título é baseado em uma suposta temperatura onde o papel pegaria fogo (ou 233C). O que começou como um ensaio sobre um mundo onde bombeiros queimam as casas, ao invés de combaterem o fogo, terminou em um dos livros mais originais que já tive o prazer de conhecer.

Quem protagoniza o livro é Guy Montag, um bombeiro que trabalha queimando livros. Em um mundo onde ler livros é proibido, ele sofreu tanta lavagem cerebral que não tem ideia de que houve um tempo em que bombeiros combatiam incêndios, e não os causavam. Um dia ele conhece Clarisse McClellan, uma jovem com quem ele tem uma conversa descontraída, que mais tarde evolui para uma amizade, mas que ela deixa uma pergunta para ele: se ele é feliz.

Curioso que é a partir dessa pergunta tão trivial que Guy começa um processo de questionar o mundo e a sociedade em que vive.

Guy Montag vive em um mundo onde é proibido se ter livros. Sempre que alguém é denunciado como tendo posse de um, bombeiros são enviados para queimar tudo — ás vezes incluindo os próprios moradores da casa, se necessário — para punir essa "subversão". Para manter as pessoas alienadas, existem as multi telas, que são como televisores que cobrem uma parede inteira, entregando todo tipo de entretenimento para os moradores. E caso a pessoa seja denunciada, no próprio quartel dos bombeiros existe o "Rabujo Mecânico", uma espécie de cão de caça robotizado capaz de ir ao percalço das pessoas de maneira implacável.

Apesar desse mundo sombrio apresentado, sempre existem pessoas que se mantém rebeldes contra o sistema que é imposto. Além dessa Clarisse, os caminhos de Guy se cruzam com Faber, um desses intelectuais que lutam na clandestinidade para manter os legados da literatura vivos, mesmo com todo o perigo que isso traz. Este vira um personagem importante a partir da metade do livro.

O autor, Rad Bradbury consegue colocar aquela aura sombria que toda boa distopia pede. Sempre que eu leio uma distopia eu imagino um mundo cinzento, meio roxo, tudo sem vida e frio, e quando ele descreve os cenários — com aquele jeitão que quase todo mundo da época dele adorava fazer — eu me sentia ainda mais imerso nesse mundo. Acho que é minha tendência de tentar imaginar distopias como algo distante, quando na verdade está criticando o passado e presente, e mesmo que a inspiração de Bradbury tenha sido as queimas de livros em praça pública promovidas pelo exército nazista, sinto que isso é também infelizmente parte de um presente em 2024, quando o governador do meu estado propôs que não haveriam mais livros físicos, apenas digitais, criando mais um empecilho para o acesso a publicações.

Mas ao mesmo tempo uma coisa gostosa de se ver em distopias é o despertar e questionar que o protagonista passa. Entender e desconstruir todo o mundo ao seu redor, rever valores, mudar suas atitudes, e toda a dor e incerteza que isso causa, é outro cerne de toda distopia, e em Fahrenheit 451 não é diferente. 

O livro passa a moral de que livros não mudam o mundo, e sim livros mudam pessoas, e pessoas é que mudam o mundo. Quando uma pessoa lê um livro que escancara uma condição difícil em que ela vive, e essa pessoa se vê inspirada a mudar seu destino. Ou mesmo nas publicações que a gente lê, que nos marcam tanto, que passam a viver dentro de nossa alma. Como uma memória, que somos os únicos que podem levar isso adiante, com o objetivo de nunca deixar aquele conhecimento morrer. Pois todo conhecimento é útil, uma vez que tudo está interligado, onde a filosofia é o destino final.

Essa edição da Biblioteca Azul (do grupo Globo) além de ser muito bem traduzida por Cid Knipel, contém um prefácio do Neil Gaiman, e posfácios do próprio Bradbury, incluindo uma coda (uma espécie de conclusão) do próprio autor embora eu achei um bocado problemática as coisas que ele escreve nessa coda, mas enfim.

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