Um sonho realizado vale por uma vida?


Será que se você morresse depois de realizar um sonho, a vida faria sentido? Esse foi um pensamento que ficou na minha cabeça por essas semanas, depois da morte repentina do meu amigo Erik. Um cara jovem, tínhamos a mesma idade, e era uma pessoa que amava viajar. Havia até recentemente voltando de um mochilão europeu, ainda estava postando as fotos nas redes sociais — fotos essas restantes que talvez nunca mais tenhamos acesso, pois tudo se foi com ele.

Já fazia alguns anos que não conversava com ele, não éramos super amigos, mas sempre estávamos próximos através de pessoas em comum. O tempo que mais compartilhei com o Erik foi sem dúvidas quando comecei a frequentar a Shinnyo-en, eu lembro que ele foi um dos primeiros amigos que eu fiz lá. Ele foi se afastando, eu demorei um pouco para me afastar, mas também continuo não mais tão ativo quanto antes, mas o acompanhava nas redes sociais, apesar da distância.

Passava das seis da tarde quando meu amigo Shigeru me mandou um "oi". E logo de cara ele me contou, que era um dia muito triste pois o Erik havia falecido naquela tarde. Quando minha ansiedade tá muito atacada eu costumo desligar o celular, e foi justo poucos minutos depois que liguei que recebi a notícia. Eu não podia acreditar, não fazia nem uma semana que ele havia postado um carrossel de fotos no Instagram de Paris, e ainda faltava muita coisa para ser postada.

Na hora eu lembro que eu fiquei em choque. No meio de informações desencontradas, foi só no dia seguinte, no velório, que a mãe dele me contou. Erik foi vítima da gripe, com apenas trinta e cinco anos. Parece que na segunda-feira daquela semana ele começou com um quadro de febre, chegou a ir no médico, mas permaneceu em observação.

O problema é que o quadro não melhorou, e piorou de maneira vertiginosa. Na terça-feira ele ainda foi trabalhar, como se nada tivesse acontecido, mesmo ainda sofrendo com febre e tossindo muito. Quem diria que em menos de vinte e quatro horas dali ele estaria morto, eu só conseguia pensar no quão inacreditável isso parecia.

A mãe dele me contou que naquela última noite ele dormiu muito pouco e mal, tossindo a noite inteira, e acometido por uma febre que não baixava. Naquela manhã, sentindo fortes dores no peito, foi pro hospital. Passou por uma bateria de exames, incluindo testes para Covid que deram negativo, e foi observado que seus pulmões estavam inflamados. Foi-lhe oferecido oxigênio, pois o oxímetro estava muito baixo, mas mesmo puxando o ar, nada melhorava.

Decidiram então pelo último recurso, de entubação. Ele foi anestesiado, mas ao ser entubado ele sofreu uma parada cardíaca, sendo reanimado depois. Mas logo sofreu mais uma, e não resistiu.

Quando eu o olhava seu corpo ali no velório, fiquei em choque pensando que há vinte e quatro horas atrás ele estava vivo. E, em tão pouco tempo, a vida tanto dele teve um fim trágico, como o de toda a família dele ali havia sido destroçada.

A pobre da sua mãe, Amélia, e o senhor Alberto, ambos também meus amigos, estavam obviamente destruídos. O pai principalmente me deu um abraço forte e chorou no meu ombro. Erik estava ali, no esquife, e seu rosto parecia tranquilo, em paz, sem nenhum tipo de sofrimento na expressão, nem aquela cara meio azeda que muitos defuntos possuem. Parecia que ele havia feito uma passagem em paz, apesar de ter sido tão repentina.

Na minha luta contra a depressão eu aprecio muito as pessoas que possuem essa paixão pela vida. E o Erik era uma dessas pessoas que passavam esse gosto pela vida, sabe? É óbvio que ele também tinha os problemas dele, como qualquer um — ele travava uma batalha contra a diabetes que acometia toda sua família há gerações. Mas eu achava inspirador ver ele fazendo tantas viagens, conhecendo o mundo, uma coisa que eu também sonho em fazer um dia, além de tantos outros sonhos que eu espero viver para realizá-los.

Mas realizar um sonho, e falecer pouco tempo depois, deixa essa sensação ambígua no coração. Em muitas postagens ele comentava sobre lugares que ele gostaria de visitar de novo, e ao mesmo tempo era nítida a felicidade dele em passar por aqueles locais que ele tanto sonhou em conhecer, se surpreendendo a cada novo passeio.

Era como se aquele sonho fosse realizado, mas que seria revivido por várias vezes no futuro, através de novas viagens, etc. Mas isso infelizmente não vai acontecer.

Será que eu viverei pra pelo menos ver algum sonho meu realizado? Será que eu conhecerei o mundo? Será que superarei a depressão que tanto me derruba dia sim e dia também? Será que escreverei meu livro? Será que encontrarei uma mulher para viver uma história de amor? 

Ou será que eu não conseguirei realizar nada e serei acometido por uma morte assim?

Depressão é uma coisa que me derruba tanto, e me tira tanto a vontade de viver, que fico pensando se não seria um desperdício de vida eu estar aqui. Enquanto olhava para o Erik no caixão eu pensava: ele tinha milhares de vezes mais vontade de viver a vida ao máximo do que eu, no entanto hoje eu estou aqui vivo e ele, partiu dessa existência.

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