A lápide de Francine Stafussa.
Sempre que vou pro interior visitar meus avós, gosto de passear ali no cemitério. Sou de uma família de coveiros, pelo menos por parte de pai, isso talvez faça cemitérios pra mim quase como um segundo lar. Não tenho medo de assombrações, nem nada, mas cemitérios sempre foram locais que me transmitiam paz, e ver as datas nas lápides me fazia pensar no quão fugaz é a vida. Mas dessa vez o que me pegou foi uma lápide de uma menina que era mais jovem que eu, e que partiu desse mundo com apenas vinte anos.
Fiquei por uns bons minutos olhando ali para a sua lápide. Francine era um ano e onze dias mais nova que eu, mas partiu desse mundo faltando quase um mês para seu aniversário de vinte anos.
Sei que ela era ali da redondeza, e talvez até minha avó teria outras informações sobre quem era ela, mas fiquei com ela na minha cabeça por todo aquele fim de tarde. Não cheguei a perguntar para minha avó sobre, fiquei mesmo sozinho em meus pensamentos refletindo sobre aquilo tudo.
Teríamos ali a praticamente a mesma idade, provavelmente hoje, aos trinta e tantos anos, ela já estaria casada e com filhos — afinal é assim que funciona no interior. Já estaria com sua faculdade, sua profissão, ou talvez também não. Tudo isso seriam meras assunções frutos de um pensamento mágico que ali surgiu na minha mente.
Ela era uma menina bem bonita.
Fiquei olhando e pensando o quão triste deve ter sido para sua família ela ter partido assim tão cedo. Possivelmente uma fatalidade, imaginei, não sei se gostaria de saber o que se passou.
A morte talvez traz saudades, revolta, luto, mas para mim, que nunca a conheceu, só me veio o sentimento de algo interrompido. Uma vida cheia de possibilidades, sonhos, amores, e nada mais disso existiria mais. Fiquei pensando em como a morte interrompe tudo, pois uma vez que não se está mais vivo não se pode mais agir, criar, experimentar o mundo, ou sentir as coisas ao redor.
Morrer parece mergulhar em um nada. Ficou ali um buraco. A pessoa que ás vezes tanto construiu, seja amizades, estudos, trabalho, família, agora tudo ali entrasse em uma brusca intermissão, sem chance de se retornar, pois nenhuma pessoa conseguiria ser e fazer as coisas exatamente como ela faria.
Francine não viveu para ver Facebook, Tiktok ou Instagram. Não viu o golpe da Dilma, a ascensão de um fascista ao poder, e a eleição de Lula. Não viu as derrotas da copa, nem as medalhas olímpicas. Se tinha um time do coração também, não viu nenhuma vitória. Se tinha alguém apaixonado por ela, não teve a chance de se declarar para ela. Se sonhava em fazer uma viagem, conhecer outros países e culturas, não mais conseguirá.
A morte é exatamente isso. Essa súbita suspensão, que não sabemos quando ocorrerá, que muitas vezes achamos injusta, e que nada mais se seguirá a partir daí, afinal... Cara, pensando bem ela nem tinha ainda completado 20 anos!
É uma pessoa que compartilhava a mesma geração comigo, alguém que também viu TV Colosso, Castelo Rá-tim-bum, e a TV Manchete, provavelmente alguém que nos daríamos muito bem, mas que mesmo sendo mais nova que eu, acabou partindo tão cedo. O que eu estava fazendo em 2009? Estava no meio da faculdade, indo passear na Liberdade com meus amigos, tentando seguir em frente depois da partida do Michael Jackson, e dentro de alguns meses dali eu entraria no meu primeiro emprego, como estagiário.
Dei uma googlada no nome dela, e achei uma outra única foto (acima), dessas que parecem ter sido batidas com aquelas Cybershot antigas, meio pixelizada, mas que na época era o ápice da qualidade, onde o olhar dela me prendia de novo. Esses olhos negros, tão destacados, com sua aparência jovial e atraente, uma pessoa no auge da sua vida, em um dos poucos registros que ainda tenham sobre ela. Talvez ela teria partido algumas semanas depois de ter tirado essa foto. Mas olhando para o quanto de juventude ela esbanjava, tudo o que consigo pensar é em como as coisas teriam sido diferentes se ela estivesse por aqui. No quão exemplar ela teria se tornado como pessoa, como mulher, com a vida toda pela frente.
Era como se eu sentisse falta dela, mesmo sem nunca tê-la conhecido. A dor da sua partida deve ter sido uma dor inimaginável.
Depois de dominado por essa tristeza por alguém que eu nunca vi na vida, apenas imaginando o que poderia ter sido, uni as palmas das minhas mãos e ofereci um mantra sincero para que, onde quer que esteja, que esteja bem. Que de alguma forma eu carregarei o que ela deixou, e viverei o que ela não conseguiu viver.
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