Livros 2024 #15 - A corneta (1976)
Não gosto de falar de livros que eu não gostei. Mas faz parte da vida, nem tudo o que a gente lê a gente necessariamente gosta. É tão difícil se publicar um livro, e ainda por cima um livro de uma mulher, o que é ainda um desafio maior. Definitivamente essa resenha eu estava adiando faz tempo. Mas vou fazer algo diferente: vou desconstruir o que não gostei e tentar chegar em um denominador mais válido do que apenas um "não gostei, blé".
O livro "A corneta", da escritora inglesa Leonora Carrington conta a história de Marian, uma senhora idosa que vive com o filho e a família dele. Com o avançar da idade, ela vai ficando cada vez mais surda, até que chega o ponto que ela recebe de sua amiga Carmella uma corneta auditiva, para que ela possa ouvir melhor as coisas ao seu redor. Foi através dessa corneta que ela descobre que seu filho quer interná-la numa casa de repouso para idosos. Quando Marian enfim se muda pra lá, vê que é um lugar muito esquisito, gerenciado por pessoas ainda mais estranhas, que culminam em acontecimentos fantásticos e muita confusão na sua sessão da tarde!
Leonora Carrington acerta muito em retratar os diversos contratempos que chegam com a idade. Aquele começo onde todos da família parecem querer descartá-la é uma infeliz verdade que todos sabemos que podemos passar ao envelhecermos — isso sem contar a surdez.
Digo isso sobre a surdez pois não tem como associar com minha avó, Judite, que também tem problemas auditivos. Vi a condição, até mental, da minha avó começar a piorar desde que a surdez dela se tornou ainda mais acentuada. Perder um dos sentidos é perder a capacidade de se comunicar, e como minha avó sempre foi uma pessoa bastante comunicativa, percebo que ela vai se fechando ainda mais no seu mundo: acabou desenvolvendo uma depressão (que está se tratando), e está dando sinais de demência, coisa que sua irmã, que não é surda, está bem menos que ela, mesmo sendo mais velha.
A autora é também uma pintora surrealista, baseada na Cidade do México. Apesar de ser contemporânea da Frida Kahlo, não achei nenhum texto que confirma se ambas se conheciam. O mais bacana é que essas influências dela são usadas no livro: conforme o tempo vai passando em sua estadia na casa de repouso, diversos acontecimentos extraordinários começam a acontecer lá, especialmente ali nos últimos capítulos.
Esses últimos capítulos eu achei eles bem complicados, muitas vezes eu lia, e relia várias vezes, e sentia que não conseguia entender o tanto de coisa que acontecia ali. Mas, tentando trazer outra perspectiva a esse meu ponto de vista, o que Leonora faz é usar as palavras como um pincel para pintar um quadro na nossa cabeça. Tudo ali é muito imagético, descritivo, com ações muito bem estruturadas, fazendo uso de signos dos mais heterogêneos possível: desde mitologia arturiana, até mitologia grega.
Acredito que assim como um quadro, especialmente quando se trata de surrealismo, a gente vai vendo e revendo a obra, buscando todas as camadas de significado, sendo levados pelos mais diversos pensamentos que aquelas representações ali nos são apresentadas, Leonora faz isso em seu texto. Talvez seja mais burrice mesmo de minha parte de não quer conseguido sacar a profundidade de tudo aquilo. É muita coisa mesmo!
Isso sem contar que a obra ainda tem uma pitada de mistério e investigação nesse meio. Nesse asilo onde os edifícios possuem os formatos mais incomuns possíveis: como bolo de aniversário, iglus, cogumelos, e por aí vai, ocorre um assassinato misterioso, que quanto mais perto Marian vai chegando, mais coisas inexplicáveis começam a se apresentar, culminando na grande viagem que é sua conclusão.
O que me salvou foi o excelente posfácio escrito pela Nobel de literatura Olga Tokarczuk, que me ajudou a perceber as imensas camadas que minha leitura deixou passar. Não deixe de ler, vai fazer muito mais sentido, mesmo se você conseguir entender!
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