Livros 2021 #5 - Garota, mulher, outras (2019)
O livro do mês de março do clube do livro foi Garota, mulher, outras. Obra da magnífica autora anglo-nigeriana Bernadine Evaristo. Participar de um clube do livro é uma experiência muito enriquecedora, pois eu entro em contato com livros que nunca nem imaginava que iria conhecer.
Essa obra é magnífica. Focando majoritariamente na vida de diversas mulheres negras de diferentes épocas, idades, profissões e destinos, esse livro nos faz ampliar nossos horizontes sobre as dificuldades de ser mulher e negra na contemporaneidade. Mesmo que grande parte das personagens sejam ambientadas no Reino Unido, existem diversas experiências que mulheres afrodescendentes do mundo inteiro vão se identificar.
Bernadine Evaristo tem uma escrita bem heterodoxa. Une versos com prosa. Lembra muito a brasileira Aline Bei (outro talento que eu sou fã). Dosa parágrafos para passar sensações, focar em acontecimentos, e ao mesmo tempo sabe discorrer o texto como ninguém. Ás vezes é um verso solto, uma palavra, uma frase. Não há pontuação, e o livro parece um projeto, pois a cada virar de página parece algo pensado em cada palavra em seu lugar. Tanto que a própria Aline foi só elogios ao falar do livro.
Como se essa escrita original da Bernadine não fosse o suficiente, a cada personagem que narra no livro parece que um novo livro aparece: o estilo de escrita muda, se adaptando à pessoa que está contando. Se é uma mulher madura na meia idade, é uma linguagem mais próxima do padrão formal. Se é uma jovem adulta saída da adolescência, é uma linguagem mais descolada, mais informal, própria da idade. Destaque também pra genial tradutora da versão brasileira, a Camila von Holdefer, que se não fosse graças ao seu trabalho igualmente ímpar traduzindo essa obra, não passaria a mesma mensagem que a Bernadine originalmente escreveu.
Cada capítulo trata de uma personagem diferente. Existe desde mulheres de meia idade lésbicas trabalhando com arte, como uma jovem universitária cheia de sarcasmo pelo mundo, uma empresária que foi vítima de um estupro coletivo na juventude, uma mãe solo que sempre acaba enganada por homens que só querem levá-la pra cama, e até uma mulher do início do século XX mostrando o cruel racismo da época. Isso entre outras tantas personagens.
Minha estória favorita é a de Megan/Morgan. Uma personagem que nasce biologicamente mulher, mas que se reconhece como uma pessoa não-binária, fazendo a transição sexual de Megan para Morgan depois de adulta. Até mesmo muda o pronome em que se refere: "elu", ao invés de "ele/ela". Na versão em inglês elu usa "they", algo que faça a referência à sua não binariedade. E Bernadine escreve sua estória com bastante empatia e com detalhes incríveis de como sua mente funciona, o que no final acaba se tornando uma lição para todos nós de alteridade.
Eu tive o previlégio de nascer heterosexual e cisgênero. Mas ao ver estórias tão bem contadas como essas, é impossível não amar! O mundo é um lugar diverso e inspirador, e é revoltante ver gente como essa anta que está na presidência que critica e persegue cada vez mais essas pessoas que apenas querem ter suas vidas! Pessoas trans no Brasil têm expectativa de vida de apenas 35 anos, elas só querem espaço para viver do jeito que nasceram, pelo amor de deus... Temos que conhecer suas vidas, compreendê-las, expandir nosso coração ao acolhê-las. Não sufocá-las, persegui-las, ou as matar.
Obra essencial. Assim como o próprio Barack Obama elegeu como uma das melhores leituras dele em 2019. Precisa de mais alguma coisa?
Nota: 10
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