Alguém para partilhar uma leitura.
Abri as páginas e comecei a ler. Tinha esquecido o quanto eu gostava da Elena Ferrante. Essas personagens femininas tão bem construídas é algo único dela. Por ter começado a série de quatro livros pelo volume intermediário, me sentia alguém que desafiava as regras.
Avançava as páginas iniciais até que vi um canhoto de empréstimo da biblioteca.
Todo amassado e gasto pelo tempo, fiquei durante um bom tempo analisando aqui. E como um papel que nos leva a um lugar distante de onde estamos, viajei no tempo naqueles segundos. Aquele mesmo livro que estava em minhas mãos esteve nas mãos de uma garota que nunca ouvi falar.
Essa menina pegou o livro no dia 4 de março do ano passado. Foi mais ou menos a época que eu tinha feito o último empréstimo na biblioteca, antes da pandemia. A data prevista de devolução era dia 18, mas é provável que não tenha conseguido devolver naquele dia. Pois tinha sido mais ou menos ali que a biblioteca tinha fechado por conta da pandemia ter estourado.
Esse livro provavelmente ficou na casa dessa garota tanto quanto ficou comigo "Um beijo da colombina". Mas ela o devolveu, e provavelmente esqueceu o canhoto dentro do livro.
Me passou na cabeça que queria saber o que essa Gabriela achou do livro. Por ser um dos únicos da minha família que troca uma série ou filme por um bom livro, acaba tornando minha existência muito solitária. Pois apenas livros são capazes de despertar certas emoções e deixarem marcas dentro da gente.
Afinal é essa a magia da literatura. As letras vão sendo decifradas por nossos olhos e no cérebro nossa imaginação flui. As cenas se desenrolam em nossas cabeças, podemos ir para qualquer lugar do universo, em qualquer tempo e ser qualquer pessoa. E tudo aquilo fica bem mais gravado na nossa mente do que se fosse um filme, pois é um filme onde nós temos o controle de tudo: de como veremos os personagens, os cenários, e as emoções que nos acompanharão por toda a experiência.
E não tinha como eu me perguntar como teria sido o "filme" que se apresentou na mente dessa garota quando ela leu o mesmo livro que eu havia acabado de começar.
Será que ela terminou a leitura? Quais as partes que gostou? O que achou do roteiro? Ou nem mesmo abriu o livro e ele ficou esquecido na cômoda?
Uma gama imensa de possibilidades e devaneios surgiram na minha cabeça quando encontrei esse canhoto no meio das páginas. E pensei em como a vida é uma coisa muita doida, o quanto de história existe por detrás de um nome. E o quanto de curiosidade pode nos despertar.
Nesse momento eu me vi fazendo o mesmo tipo de trabalho que um livro nos causa: a imaginação. E depois que essas dezenas de possibilidades me vieram à cabeça eu devolvi o canhoto ao livro e usava como marca-páginas. O nome da Gabriela era bem comum, tem pelo menos na casa de milhares de garotas homônimas só no Facebook. Mas toda a vez que eu retomava o livro, abria no canhoto abandonado da Gabriela. E pensava o que ela tinha achado do capítulo anterior, se ela havia entendido tudo, se ficara alguma dúvida.
Era alguém que eu conversava toda vez, mas obviamente não havia uma resposta.
Foi como ler o livro com uma companhia imaginária. Espero que esse livro tenha significado tanto quanto significou pra mim.
Comentários
Postar um comentário