A crise do homem hétero.


Crises sempre são péssimas. Mas é igualmente uma chance de se reinventar, deixar o que se está errado no passado, e pavimentar um futuro diferente. No entanto, sempre terão aqueles que não querem se reinventar, que querem continuar nesse mundo antigo, mesmo que esse mundo esteja respirando com ajuda de aparelhos. Mas existem outros que abraçam a mudança e se tornam pessoas melhores. E eu, como um homem hétero vivendo bem nessa época tenho que admitir que essa crise me assola também.

Esses dias eu estava conversando com um amigo, e ele veio até mim expressar sua revolta com uma modelo que ele segue. Nas postagens das redes sociais dela, ela fazia duras críticas aos homens, que iam desde as fotos de pênis não solicitadas, passando pelos chorões que dizem que não se pode dar em cima, e terminando em pedidos sinceros para que homens melhorassem. Esse meu amigo veio todo irado dizendo que mulheres como ela ficar dizendo isso de homens era chato e irritante.

Mas esse meu amigo é um santo. O cara super romântico, fiel, que infelizmente por ser uma pessoa assim tão bondosa acabou atraindo mulheres bem más na sua vida — pra não dizer psicopatas que só o fizeram sofrer. E eu fui bem sincero com ele, dizendo que esse tipo de coisa que essa modelo falava não era para pessoas como ele, que homens como ele são raridade, e que ele devia investir nessa autoestima, pois ele não é esse tipo de homem que faz essas coisas que ela criticava. E de facto ele não é.

A crise do homem hétero também mostra o conflito das gerações.

Eu nunca escondi o quanto meu pai é uma pessoa extremamente machista. Posso exemplificar aqui desde o facto dele achar que usar desodorante é coisa de viado (sim, desodorante), até o facto dele criar uma família toda baseada num regime patriarcal com ele ao centro sempre, fazendo uso de chantagens emocionais, coitadismo, e desonra.

Como uma pessoa criada com essa filosofia, ele, como homem, nunca foi ensinado a, por exemplo, como cuidar do outro. Quando a gente fica doente, ele briga, nos xinga, como se a culpa de adoecer fosse nossa. E depois vem dizendo que fez isso pois nos ama. Afinal a coisa que mais me ajudaria a me curar em meio a uma febre de 40C é alguém berrando no meu ouvido, certo? Tanto que minha mãe, que sofre de dores crônicas nas articulações, meu pai nunca moveu um dedo para fazer uma massagem nela. Isso quando ele não fingia estar mal, pedindo para que a mulher cuidasse dele, mesmo ela claramente em um estado que mal conseguia ficar em pé, de tanta dor.

Eu já contei nesse outro post como é difícil desconstruir isso tudo.

Para quem nasceu em um lar com um pai menos machista é bem difícil imaginar isso. Mas para quem nasceu em um lar machista e patriarcal, desconstruir é um processo muito difícil. Então é normal ficar tentado e apenas repetir o padrão que lhes foi ensinado. Acho que foi assim com meu pai, mas não necessariamente eu gostaria disso para mim.

Não vou negar que eu inclusive durante muito tempo repeti esses padrões, sem a mínima noção, afinal era o que eu observava na minha vida, a minha referência. Hoje vejo que está tudo completamente errado.

Como eu disse no cabeçalho desse post, muitas vezes crises são grandes oportunidades de crescimento. E eu vejo que, ao menos entre os homens da bolha, muitos estão se esforçando bastante para usar essa crise do homem hétero para se tornarem homens melhores.

Minha mãe sempre me ensinou a ser um adulto funcional. Desde a infância eu sabia cozinhar, limpar a casa, e saber me virar. Eu sempre gostei de ser independente, então quando eu tinha uma dúvida, como saber fazer um feijão ou passar um café, eu sempre pedia para ela me ensinar. E pra ser sincero, eu sinto que peguei bastante gosto por afazeres domésticos, eu sempre mantenho a casa limpa e gosto muito de cozinhar.

O conflito de gerações era sempre o negócio que atravancava tudo. Eu lembro do meu avô (pai do meu pai) uma vez pensando alto e comentando o quanto achava ridículo o facto da minha tia ser a que sustentava a casa dela, no lugar do meu tio, que nunca teve a chance de ir adiante nos estudos. Ter uma mulher que sustenta a casa era algo criticável, assim como o facto de eu ajudar nos afazeres de casa.

Eu sou uma pessoa bem pragmática em relação a isso: pra mim um homem que não cozinha é um imprestável. E vejo pelos amigos da minha geração muitos casos onde são os rapazes que cozinham em casa. Até no grupo de whatsapp de apenas amigos homens a gente troca receitas, dicas de materiais de limpeza, hacks domésticos, mas também uns vídeos pornôs ou umas fotos de mulheres peladas de vez em quando.

E óbvio que esse último ponto é sim algo que devemos melhorar. E eu sei que eu, apesar de toda a desconstrução que tenho me esforçado, ainda existem outros setores que eu devo crescer. Eu ainda preciso melhorar muito, tenho plena noção disso. Se eu dissesse que "deixei de ser machista" e eu estaria mentindo, pois até mesmo a estrutura em que a sociedade é baseada deixa essa tarefa praticamente impossível. Ninguém é perfeito, eu sou uma pessoa falha, e tenho plena noção disso, e quero melhorar.

Mas vejo um esforço empreendido em meio à crise. Esse meu amigo do começo do post, apesar dele viver com a mãe, e ela fazer absolutamente tudo para ele, ele veio todo feliz falar pra mim que está começando a cozinhar! Eu achei isso magnífico, pois é nessas coisas que nós homens devemos nos debruçar para nos tornar pessoas melhores. Até mesmo outro amigo — cuja esposa também é como uma mãe para ele, cuidando de tudo na casa — decidiu aprender a cozinhar e ajuda a cuidar da casa. Dias atrás até me mandou uma foto de um lámen que ele fez, e que parecia delicioso!

Hoje eu vejo que estão cada vez mais desassociando que "um homem que demonstra sentimentos deixa de ser hétero". Meu pai sempre que queria rebaixar outro homem, diz que ele "está virando uma mulherzinha", afinal no pensamento dele mulheres são inferiores, e homens sempre devem estar nos papéis de protagonismo superior. Eu consigo assistir um filme romântico e chorar, e isso não quer dizer que eu não também adore fuder uma buceta.

Sempre existirão os homens brucutus e retrógrados. O foco desse post não é esse, e sim mostrar para os que querem fazer algo diferente que existe um caminho novo e acessível. E esse caminho novo se revelou justo agora, nessa era da renascença do feminino onde todo esse novo conhecimento pode (e deve!) ser usado para que a gente também evolua como homens.

Eu pelo menos sinto que cresci. Não sei também se é por conta do antagonismo que sinto pelo meu pai. Quando mulheres batem o pé e dizem que não vão mais aceitar aquele tipo de homem antigo é algo maravilhoso para gente. Ao apontar onde estamos errando podemos nos esforçar para sermos homens melhores, respeitando, admirando, apoiando, e não mais daquele jeito ultrapassado de apenas sermos servidos por elas.

Fico pensando no quanto a cultura pop moldou esses homens antigos. Dias atrás eu tava revendo "Uma linda mulher" e eu fiquei revoltado em como o Edward tem a Vivian como a bonequinha dele — a mulher que o aguarda em casa depois do cara chegar cansado do trabalho, que está lá para educá-la como se ela fosse uma selvagem, e que ela depende dele para resolver seus problemas. Esse filme envelheceu como leite, eu achei uma péssima influência, e vejo muito da relação de Edward e Vivian no que vejo na relação entre meu pai e minha mãe.

Nós, homens hétero, temos que usar essa crise para crescer. E esse post aqui tento escrever com esperança de que esse tipo de coisa cada vez mais aconteça com mais e mais homens. A gente tem que evoluir sempre, bicho!

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